Título: É imprescindível proteger o Enem do MEC
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Fonte: O Globo, 12/11/2010, Opinião, p. 6
A Advocacia-Geral da União encaminhou ontem ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região, no Recife, a argumentação do governo contra a suspensão do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano, decidida pela juíza Karla Maia, do Ceará. É uma tarefa desafiadora, diante das graves falhas ocorridas na aplicação do teste, no último sábado. Mesmo que não existisse o passado de confusões em torno do exame - furto de provas, vazamento de informações confidenciais de estudantes, por exemplo -, os erros verificados neste teste, todos, de alguma maneira, de responsabilidade do Ministério da Educação (MEC) e do seu Instituto Nacional de Ensino Médio (Inep), já seriam suficientes para abalar a credibilidade deste importante instrumento de avaliação de candidatos ao ensino superior.
Provas com falhas de impressão prejudicaram, estima o MEC, 2 mil estudantes. Até quarta-feira, o ministério pretendia aplicar novo teste apenas ao grupo. Mas o que fazer com os atingidos pela grotesca inversão de folhas de respostas nas questões sobre ciências humanas e ciências da natureza? Neste caso, os atingidos foram todos os 3,4 milhões de estudantes que fizeram o teste. Uma solução proposta pelo MEC seria permitir, via internet, o pedido para a correção das respostas de forma invertida. Repercussões da suposta solução não foram animadoras. Se há relatos de grupos que não foram avisados do erro pelos fiscais, outros souberam tarde demais. Haveria ainda quem tivesse misturado respostas.
A gravidade da situação foi confirmada pelo comportamento de Lula. Antes de embarcar para a África e depois de ser informado do caso pelo ministro Fernando Haddad, o presidente garantiu não ser necessário repetir a prova. Já não tinha a mesma opinião na quarta-feira, quando, em Moçambique, admitiu a possibilidade de o Enem deste ano ser reaplicado, enquanto, no Brasil, o MEC se mantinha contra a alternativa, defendida na Justiça e no Ministério Público. No mínimo, houve uma descoordenação no governo - não fosse o bastante a incompetência gerencial do MEC e do Inep, desgraçadamente quase uma abreviação de "inépcia". O MEC deveria praticar uma profunda autocrítica, algo que já foi moda no PT e na esquerda em geral. A sucessão de falhas no exame aponta, como alertam educadores, para a necessidade de se repensar a extrema centralização com que o Enem é elaborado, processado e aplicado. É mesmo muito difícil administrar, num único órgão do governo federal, um exame com mais de 3 milhões de cópias - e que tende a crescer - , aplicado num país de dimensões continentais, à mesma hora, em 180 mil salas, uma vez por ano. As chances de não dar certo são grandes. Há exemplos no mundo de testes idênticos aplicados de forma descentralizada e mais de uma vez por ano. E sem problemas graves.
O crucial, agora, é proteger o Enem do MEC, evitar que mais erros sejam cometidos. Insistir na falsa solução dos 2 mil exames equivale a tentar varrer para baixo do tapete uma montanha de lixo representada pela troca de gabaritos, que atingiu todos os 3,4 milhões estudantes. Seja qual for a alternativa para tentar contornar a crise, ela tem de atender ao princípio da isonomia, base do posicionamento da Justiça e do MP no caso. Ou seja, não pode haver privilégio nem prejuízo para qualquer um dos que prestaram o exame.