Título: Não há almoço grátis
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Fonte: O Globo, 01/11/2010, Opinião, p. 6
Quando o chanceler Otto von Bismarck criou o primeiro sistema de previdência oficial em território germânico, ainda no século XIX, o direito ao benefício se restringia a trabalhadores com mais de 60 anos (e na época a expectativa média de vida na Europa não passava de 50 anos!). Mesmo assim, a iniciativa representou um grande avanço, pois, à medida que os trabalhadores envelheciam, os rendimentos tendiam a diminuir ¿ o trabalho era remunerado geralmente por produção dentro de uma determinada jornada ¿ e a capacidade de poupança individual idem.
No século XX, as relações trabalhistas evoluíram e os sistemas de previdência oficial se tornaram eixo central de políticas públicas de amparo aos aposentados.
Como nos tempos de Bismarck, a maioria dos sistemas previdenciários no Ocidente continuou se baseando no princípio da repartição, pelos qual os trabalhadores da ativa se solidarizam com aqueles que perdem a capacidade laboral por motivo de saúde e/ou idade. Ou seja, na prática, ninguém contribui para si próprio.
Somente no fim do século XX regimes de capitalização, puros ou mistos, passaram a se fazer presentes, sendo que experiência mais marcante (e bem-sucedida) é a do Chile.
Na velha Europa, porém, os sistemas previdenciários foram perdendo o vínculo direto com a receita de contribuições, tornandose muito dependentes do erário público.
O déficit previdenciário absorve cada vez mais receitas públicas devido ao perfil demográfico da Europa Ocidental, com uma parcela crescente de idosos no conjunto da população.
Resolver essa questão não tem sido fácil, pois o regime de repartição criou a ilusão de um direito adquirido que não se coaduna com a essência da Previdência oficial (trabalhadores na ativa se solidarizam com aqueles que perdem a capacidade laboral).
Mas, concretamente, essas ¿conquistas sociais¿ exigem uma carga tributária elevada que afeta a competitividade das economias europeias. E em um momento de crise, com baixo crescimento da receita, o déficit público explode. Para os governos só resta uma saída: cortar despesas. Como o déficit da Previdência é um dos itens que mais pesam nos orçamentos públicos, a reforma do sistema é inevitável.
Para que o ajuste seja menos penoso a todos, o caminho para redução do déficit está sendo pela postergação da idade de aposentadoria. Com isso, os segurados contribuirão mais e os benefícios serão pagos por menos anos aos aposentados (embora a expectativa média de vida das pessoas continue aumentando).
O que parece lógico e justo tem encontrado enorme resistência nos países europeus.
Um movimento grevista quase paralisou a França nas últimas semanas. Sem saída, os governos vêm levando as reformas adiante, mesmo sob o risco de forte desgaste político. Mas a alternativa é a irresponsabilidade fiscal, a falta de reação das economias locais e a corrosão das ¿conquistas sociais¿.
A sociedade brasileira não está imune aos imperativos da demografia. Na Europa, a crise mundial apenas antecipou reformas que teriam de ser feitas mais cedo ou tarde.
O americano Milton Friedman, Prêmio Nobel e um dos mais destacados economistas do século XX, sintetizou bem esse quadro, com uma frase inspirada no escocês Adam Smith e outros autores: em economia não existe almoço grátis.