Título: Primeiro desafio é que Dilma não é Lula, diz especialista
Autor: Alvarez, Regina; Oswald, Vivian
Fonte: O Globo, 01/11/2010, O País, p. 9

Articulação com diferentes partidos da coligação e tarefa de suceder a padrinho são os próximos embates RIO e SÃO PAULO. Inexperiente politicamente, mas com a experiência administrativa de oito anos de governo petista. Para cientistas políticos e historiadores, a presidente eleita, Dilma Rousseff, vai depender da ajuda da base do governo Lula e da coligação que a elegeu. Entre as dificuldades, além da inexperiência de lidar com o Congresso, haverá a heterogeneidade tanto dos aliados, que vão de Ciro Gom e s ( P S B ) a Jo s é S a r n e y (PMDB), quanto do próprio PT, com uma ala mais próxima do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu e outra, do ex-ministro Antonio Palocci.

Além disso, o principal trunfo de Dilma na disputa eleitoral ¿ a popularidade do presidente Lula ¿ torna-se agora um desafio: a nova presidente terá de tentar encontrar caminhos para sair da sombra do antecessor e padrinho, dizem os analistas.

Professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF), Daniel Aarão Reis afirma que a diversidade de nomes que a apoiam é um dos desafios da primeira presidente mulher do país: ¿ A necessidade que Dilma terá dos partidos de sua coligação vem da própria característica da nossa Presidência, que é de coalizão. Mas ela terá a tarefa árdua de ¿vertebrar¿, dar eixo a uma coalizão bastante heterogênea.

Há o Ciro Gomes, que pode ser um elefante numa cristaleira; o PMDB, que tem de fisiológicos por vocação a pessoas mais progressistas...

Dentro do próprio PT, temos um grupo de tendência mais ligada à estabilidade econômica, do Antonio Palocci, e outro, mais estatal-desenvolvimentista, do Dirceu.

Para lidar com esse quadro, continua Aarão Reis, Dilma dependerá não só dos aliados, mas também de sua própria capacidade de escolher quem vai cercála. E, aí, o caso Erenice pode ser lembrado e servir de lição: ¿ Uma das características que projetam um presidente da República é sua capacidade de escolher assessores, equipe. É algo que Dilma, em tese, por já ter exercido vários cargos de gestão pública, tem. Mas podemos dizer que o episódio com a Erenice Guerra deve servir como advertência para Dilma. É difícil não haver problemas numa carreira de muitos anos; mas que esse caso mostre que ela deve ter mais cuidado na constituição de seu Ministério.

Entre os nomes da coligação de que Dilma dependerá, Marly Motta, historiadora do Cpdoc da Fundação Getulio Vargas (FGV), destaca o do vice, Michel Temer (PMDB): ¿ Nisso, ele será diferente dos outros vices-presidentes que já tivemos. Será em parte dele essa função de negociação política. O Itamar (Franco, vice de Fernando Collor) não era afeito a negociações do tipo.

Marco Maciel (vice de Fernando Henrique) era discretíssimo, e foi um nome indicado pelo PFL mas que não era o nome mais importante do partido. E o (José) Alencar teve função em relação ao empresariado, de apaziguálo ¿ analisa Marly, para quem o futuro governo também terá de abrir espaço para aliados que saíram fortalecidos desta eleição, como o PSB de Ciro Gomes e Eduardo Campos.

¿ A gente tem de lembrar ainda de outros nomes do PT que saem fortes da eleição deste ano, como o Tarso Genro (eleito governador do Rio Grande do Sul) e o Jaques Wagner (reeleito governador na Bahia) ¿ acrescenta Aarão Reis.

O fato de o próximo governo ser de continuidade também fará diferença para a governabilidade da presidente Dilma. Na opinião do coordenador do FGVOpinião, Marcelo Simas, Lula ¿dará¿ o governo para a sucessora que criou. Com isso, sublinha, não será necessário tanta negociação, porque ela já foi construída (¿o vice da Dilma, por exemplo, saiu da ala majoritária do PMDB¿), e a mesma coligação que sustentou Lula é a que vai para o governo Dilma.

O que pode mudar o quadro é se Dilma resolver modificar a agenda de políticas criada por seu padrinho, diz Simas: ¿ Mas, se ela for fazer isso, não deve ser nos primeiros meses.

O primeiro ano de governo, para ela, deve ser tranquilo ¿ afirma o cientista político.

Para Vera Chaia, do departamento de política da PUC-SP, a presidente eleita terá a vantagem, em relação ao padrinho, de contar com uma base maior no Congresso. Mas ela ressalva: ¿ O primeiro desafio é que a Dilma não é o Lula. Há limites em relação à personalidade. Ela não tem o carisma dele ¿ diz, e lembra que o papel de Lula no novo governo também deve ser discutido.

¿ Ela deu a entender que ele será um conselheiro.

¿ Dilma não tem expressão política, e há a fama de não ser de sutilezas. Lula pode entrar para essa negociação mais sutil ¿ completa Marcelo Simas.

Cláudio Couto, professor de gestão pública da FGV, observa que Lula será ¿influente¿, mas menos presente do que na eleição. Apesar das declarações de José Dirceu de que o PT terá mais espaço na Presidência com Dilma, Couto não acredita que os setores mais radicais do partido ganharão importância: ¿ Devem ganhar espaço setores moderados do PT.

Vera Chaia concorda. Para ela, o perfil conciliador de pessoas que assessoraram Dilma na campanha, como Antonio Palocci e José Eduardo Cardozo, demonstra que os setores mais radicais não terão espaço.

Couto prevê, ainda, relevância grande do PMDB dentro do governo, com participação maior da legenda agora do que na era Lula. Justamente a presença do PMDB, aposta, é um sinal de que não devem ser tomadas medidas radicais.