Título: Economia, agora, entra na ordem do dia
Autor: Alvarez, Regina; Oswald, Vivian
Fonte: O Globo, 01/11/2010, O País, p. 9

Até então em segundo plano, temas como câmbio e ajuste fiscal, segundo especialistas, vão ganhar destaque BRASÍLIA. Passado o calor da eleição, com a volta da normalidade política e administrativa, a economia entra em definitivo para o topo da agenda da futura presidente. Dilma Rousseff precisará tratar da valorização do real em relação ao dólar, que prejudica as exportações brasileiras e obriga a indústria nacional a competir com os produtos importados a preços baixos.

Além disso, o governo tentou durante todo este ano acelerar investimentos e, para isso, chegou a criar uma manobra que o permitisse fechar as suas contas no azul, cumprindo a meta com a qual havia se comprometido, apesar de gastar mais.

Tradicionalmente, segundo o cientista político da PUC-Rio Eduardo Raposo, os governos gastam mais em períodos eleitorais.

A correção vem logo após o pleito. Formuladores da agenda econômica de Dilma não estão contando com um aperto fiscal excessivo, mas não descartam ajustes.

¿ Ela está atenta a estes temas.

Não gosta de perder dinheiro ¿ diz uma fonte do governo próxima à presidente eleita, lembrando o pragmatismo de Dilma para lidar com o tema economia.

Embora o mercado esteja contando com a manutenção da política atual, a expectativa é de que a administração das contas públicas seja mais frouxa, o que obrigará os juros a serem mais altos. Com isso, o crescimento deve ser menor.

Para o especialista, assuntos espinhosos como previdência devem ficar para depois: ¿ O Lula é um líder político nato, tem 80% de aprovação e não fez. Por que a Dilma que não tem a mesma capacidade de liderança política vai fazer? A economia, que sempre foi motivo de discussões acaloradas nas eleições brasileiras, acabou ficando à margem desta vez. O embate girou em torno das políticas sociais e de temas mais etéreos, o que surpreendeu os especialistas. O aborto, envolto em questões religiosas, ganhou os palanques e trouxe a igreja para a política. A pauta imposta à campanha de FHC, em 1995, lembra Raposo, acabou sendo muito mais econômica, porque a estabilização da moeda era tema incortonável.

A inflação dos dois mandatos de Lula acumulou 53,62% pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE. Nos três anos que antecederam a gestão de FHC, o IPCA bateu os 1.119% em 1992, 2.477% em 1993, e 916,46% em 1994.

O engajamento sem precedentes na campanha e o carisma do presidente Lula foram decisivos na vitória de Dilma Rousseff, mas os avanços do governo, em especial na área social, são apontados como o suporte do apoio recebido do eleitor.

¿ O mérito é essencialmente dele. Mesmo com as falhas dela na campanha, criou-se um colchão de apoio à Dilma. O pessoal do Bolsa Família manteve-se fiel.

Pessoas que ascenderam socialmente e chegaram à classe média fecharam com Dilma. Não é simplesmente uma questão econômica, tem também um sentido de segurança ¿ observa o cientista político Ricardo Caldas, da Universidade de Brasília.

Na sua avaliação, a campanha de Dilma soube explorar com muita competência, principalmente no primeiro turno, as conquistas do governo Lula. E a ideia de que a vitória da oposição significaria retrocesso.

¿ Dilma foi eleita porque, nos últimos oito anos, houve aumento de renda, emprego e consumo.

E renda é igual a voto. A tendência do eleitor é relacionar diretamente seu bem estar com o governo vigente ¿ afirmou o economista da Consultoria Tendências, Felipe Salto.

Para a professora Lúcia Avelar, do Departamento de Ciência Política da UnB, os desafios da presidente eleita são grandes no combate à pobreza e na melhoria da educação.

¿ Terá que haver uma correção de rumo, com aumento do volume e qualidade dos investimentos.

Estudos mostram que para mudar alguns cenários em 2030 as decisões precisam ser tomadas agora ¿ diz Lúcia.

O cientista político David Fleischer da UnB lembra que Dilma terá que administrar uma coalizão política heterogênea e conduzir a economia com cautela, sem desapontar a massa de eleitores que votou pela continuidade e ampliação dos benefícios da era Lula.