Título: O incendiário dos palanques quase virou fogo amigo
Autor: Alves, Gustavo
Fonte: O Globo, 01/11/2010, O País, p. 13

Lula fez discursos radicais para um presidente e usou a máquina como nunca antes na História deste país Vasos de flores decoravam o palanque do comício do candidato a governador de Mato Grosso do Sul Zeca do PT, com a candidata do PT a presidente, Dilma Rousseff, em Campo Grande, na noite de 24 de agosto.

Mas da boca do principal orador, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, só saíram espinhos para o governador André Pucinelli (PMDB), adversário de Zeca que disputava a reeleição.

¿ Não é honesto, não é justo, e não é eticamente correto, no dia em que estou no estado, o governador chamar minha ministra de fada madrinha e eu de pai Lula, e uma semana depois, ficar dizendo que Lula não é pai coisa nenhuma, que o pai é adversário dela e ela não é mais fada madrinha ¿ vociferou Lula, contrariado com o apoio de Pucinelli à candidatura de José Serra (PSDB), depois de o governador conseguir verbas federais.

A crítica foi parar nos programas de TV de Zeca. Aliados de Pucinelli quiseram dar o troco no mesmo tom, lembra o consultor político Chico Santa Rita, responsável pela campanha.

Não seria difícil, para um governador que em 2009 tinha dito que queria ¿estuprar em praça pública¿ o então ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc.

Apoiado pelas sete vitórias que havia alcançado em Mato Grosso do Sul anteriormente, Chico barrou a ofensiva.

¿ Respondemos dizendo que o Mato Grosso do Sul precisava de verbas do governo federal, mostrando onde elas foram gastas, e que foram bem empregadas ¿ lembra Chico, que assim ganhou sua oitava campanha sul-matogrossense, com uma diferença de 14 pontos percentuais entre Pucinelli e Zeca do PT, no primeiro turno.

Lula foi o principal cabo eleitoral de Dilma e também de aliados, e botou a máquina pública a serviço de seus candidatos mesmo antes da campanha.

Mas, quando sua retórica inflamouse, a eficácia foi duvidosa: no PT, houve quem a visse como uma das razões para Dilma não ganhar a eleição logo no primeiro turno, como indicavam as pesquisas. Isso, quando o tiro não saiu pela culatra. Como em Mato Grosso do Sul, Santa Catarina foi palco de outro de seus ataques mais raivosos. O presidente conclamou a audiência de um comício a ¿extirpar o DEM da política brasileira¿. Raimundo Colombo, do DEM, foi eleito governador.

No primeiro turno.

Ousadia que Luís XIV não teve

Em Campinas (SP), ao criticar e menosprezar o papel da imprensa como formadora de opinião, Lula disse em outro comício: ¿Nós somos a opinião pública¿.

Uma demonstração de autoconfiança nunca vista antes neste país. E na História: o americano Jacques Barzun, se não o mais importante, o mais longevo historiador vivo (faz 103 anos no dia 30), garante que Luís XIV era esperto demais para algum dia ter dito a frase ¿o Estado sou eu¿, que ecoou como uma referência no ataque de Lula. Só irritaria a nobreza e a plebe de Paris, facções rivais que infernizaram a infância do rei absolutista, e cuja vida adulta ele passou manipulando para controlar.

Com o resultado do primeiro turno, houve recriminações ao absolutismo belicoso e a Lula. E o presidente iniciou o segundo turno recolhido e em silêncio.

Mas não se conteve no episódio em que Serra foi agredido por militantes do PT em uma caminhada em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio. Lula encampou a versão de que Serra teria fingido ser agredido.

¿ Primeiro bateu uma bola de papel na cabeça do candidato.

Ele nem deu toque para a bola, tanto que olhou para o chão e continuou andando.

Vinte minutos depois, esse cidadão recebe um telefonema, que deve ser do diretor de produção dele, que orientou que ele tinha de criar um factoide ¿ acusou Lula.

Enquanto o presidente era incendiário no palanque, líderes petistas atuavam como bombeiros, orientando militantes a evitar qualquer possibilidade de novos confrontos com tucanos: não era o momento de arriscarse de novo a perder votos. Preocupação excessiva, para Marcus Figueiredo, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Ele duvida que os pronunciamentos mais agressivos de Lula tenham prejudicado a campanha de Dilma: ¿ Não teve consequência nenhuma. São episódios ruins para alguém na posição de presidente. Certas coisas o presidente não pode falar. Mas a consequência foi nula.

Chico Santa Rita diz que, na disputa presidencial, a fúria de Lula não prejudicou Dilma porque não foi respondida com propostas por Serra. Assim, os ataques do presidente afinaram-se com o tom dominante da disputa, de troca de acusações.

¿ Numa campanha de baixo nível, tivemos a participação de um presidente de baixo nível ¿ lamenta. Precisamos extirpar o DEM da política brasileira

Pedido feito em setembro em Santa Catarina, onde o DEM ganhou a eleição para governador

Nós vamos derrotar alguns jornais e revistas que se comportam como partidos políticos. Nós não precisamos de formadores de opinião. Nós somos a opinião pública

Menosprezando a imprensa, em Campinas, em setembro

Primeiro bateu uma bola de papel na cabeça do candidato.

Ele nem deu toque para a bola, tanto que olhou para o chão e continuou andando

Desacreditando a agressão a José Serra no Rio, em outubro