Título: Exercer de fato o poder ou guardar a cadeira para Lula?
Autor: Pauda, Jucimara de
Fonte: O Globo, 01/11/2010, O País, p. 21

Só uma mulher governou o Brasil e o fez em nome de seu pai, o imperador. Mesmo assim, marcou a História do Brasil.

Agora, 122 anos depois, uma mulher é escolhida chefe da Nação. O momento é histórico.

Os desafios que enfrentará serão gigantes: a presidente Dilma Rousseff terá que provar que governará por ela mesma, e não em nome do seu criador, o presidente Lula.

Na economia, Dilma é uma incógnita.

Ninguém sabe o que ela realmente pensa.

Durante a campanha a economia foi tratada como assunto resolvido. Não é. Tudo o que Dilma disse é que manterá o tripé da política econômica: metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário.

E esse tripé já está sob ataque: o superávit primário caiu e tem tido sua consistência alterada. O câmbio está incomodando, e algumas medidas tentam evitar o excesso de queda do dólar. Críticas ao Banco Central, o guardião das metas, podem ser lidas nas entrelinhas. Dilma garante que não é necessário o ajuste fiscal. Tudo isso solapa as pernas do tripé.

Na verdade, a política econômica já mudou. O governo Lula herdou o ¿tripé¿ da estabilidade e o manteve pelo empenho pessoal do ex-ministro Antonio Palocci. Agora, de novo, Palocci é a chave do enigma. Em 2005, quando o então ministro Palocci fez a sensata proposta de estabelecer a meta de déficit público zero, e persegui-la ao longo de alguns anos, a então ministrachefe da Casa Civil chamoua de ¿rudimentar¿.

Depois da saída de Palocci do governo, tudo foi mantido, não porque o ministro Guido Mantega e seus assessores considerassem a política certa, mas porque a política tinha surtido bons efeitos: o país estava crescendo, tinha conquistado a confiança de investidores nacionais e estrangeiros e estava caminhando para o grau de investimento.

A crise de 2008/2009 foi uma licença para matar. O que era para ser apenas um intervalo para evitar a recessão acabou mudando na prática a política econômica. Os gastos continuaram se expandindo em 2010, para aumentar o ritmo de crescimento e assim garantir a vitória do governo.

Isso comprometeu o mais importante pé da estabilidade.

Manobras contábeis tentam, na maquiagem, esconder o estrago já feito.

Na política, Dilma terá que vencer a sombra do mito que a conduziu até a rampa do Planalto; na economia, ela terá que se convencer de que algo precisa ser feito para manter a herança da estabilidade.

No começo da campanha, quando ela era olhada com desconfiança por empresários, financiadores e mercado financeiro, o ex-ministro Antonio Palocci correu pelas diretorias garantindo que ela manteria a estabilidade. Durante a campanha, Palocci e Dilma se aproximaram. Agora, a grande dúvida é onde ele será instalado no governo.

Quanto mais longe do poder, maiores as dúvidas sobre os rumos da política econômica.

Ao contrário do que o presidente Lula disse ontem, Dilma não foi vítima de preconceito.

O primeiro turno já foi um momento importante para quem sonha em ver a igualdade de gêneros no Brasil, porque 70% dos eleitores votaram em mulher para presidente.

Ontem, Dilma foi eleita.

Não basta eleger uma presidente.

Numa pesquisa feita pelo demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, o Brasil ficou em 111º lugar num ranking de 140 países em representação feminina no parlamento. Esta presidência será um momento decisivo para mudar esse quadro se Dilma superar as desconfianças que recaem sobre ela. A desconfiança não vem do fato de ela ser mulher.

Mas de ter sido eleita principalmente pela ação do presidente Lula. O avanço será possível se Dilma exercer de fato o poder e não for apenas uma representante do seu mentor, guardando a cadeira para a volta de Lula. Como fazia a princesa Isabel na ausência de D.Pedro II.

MÍRIAM LEITÃO é colunista do GLOBO