Título: Moralização sem efeito
Autor: Brito, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 14/07/2009, Política, p. 2

Presidente do Senado anuncia suspensão dos atos secretos editados nos últimos 14 anos, mas os próprios parlamentares desconfiam da eficácia da decisão. Sarney: peemedebista decide anular 663 atos na intenção de responder às acusações, mas não se livra da oposição

Em tentativa de mostrar que não é cúmplice das irregularidades praticadas no Senado, o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), anunciou ontem a anulação de todos os atos secretos editados nos últimos 14 anos. Mas a decisão não tem efeito imediato sobre as normas criadas às escondidas, que beneficiaram parlamentares e afilhados políticos. A medida já desagradou aos servidores da Casa, preparados para recorrer ao Judiciário se forem pressionados a devolver benefícios recebidos, como horas extras e comissões. Senadores também reagiram com descrença ao anúncio do presidente da Casa. A oposição, por exemplo, diz ainda esperar respostas às acusações contra Sarney.

Entre os 663 atos anulados, havia concessão de gratificações para funcionários, contratação de parentes e criação de cargos especiais para engordar contracheques. Para citar um exemplo de como o anúncio é inócuo, o irmão de Sarney, Ivan, foi exonerado por ato secreto em 2007 do gabinete do senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA), aliado do presidente do Senado. Se a decisão for levada ao pé da letra, Ivan voltaria a ser funcionário comissionado da Casa para a qual fora nomeado havia quatro anos. Uma situação proibida pela súmula do Supremo Tribunal Federal (STF), que baniu o nepotismo da administração pública.

O caso mais delicado se refere a pagamento de horas extras a 800 servidores efetivos de gabinetes parlamentares. Por ato secreto de outubro de 2008, a Mesa Diretora, sob a presidência de Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), ampliou os limites da jornada adicional. Antes, o benefício só era permitido a um terço dos servidores, restrito de terça a quinta-feira, dia de maior movimento na Casa. Os integrantes da Mesa Diretora anterior, contudo, alegam não se recordar de terem assinado tal ato secreto (leia quadro).

¿Não vamos admitir que, sem prova em contrário, se venha a cobrar do servidor a devolução dos extras¿, afirmou Magno Mello, presidente do Sindicato dos Servidores do Legislativo Federal (Sindilegis), ressaltando que a entidade está preparada para defender, inclusive na Justiça, os funcionários, se ocorrer qualquer ¿abuso¿ decorrente da anulação dos atos.

Por isso que, na prática, a decisão de Sarney ¿ tomada três semanas depois da divulgação do estudo que revelou as centenas de atos sigilosos ¿ só terá valor jurídico após longo processo. Primeiro, a comissão criada para fazer um pente-fino nos atos avaliará, em 30 dias, quais deles serão efetivamente cancelados. Nos casos em que houver pagamento de extras por meio de norma sigilosa, os chefes de gabinetes, espécie de gestores, serão convocados a declarar quais servidores efetivamente trabalharam sob o regime especial. Apenas quem for indicado pelo chefe de gabinetes poderá se tornar alvo de processo administrativo ¿ única forma de se cobrar, futuramente, a devolução dos recursos.

Dois dos cinco integrantes da comissão que vai analisar os atos acreditam que não deve ocorrer uma avalanche de pedidos de cobranças contra servidores. ¿Não vai haver romaria¿, afirmou o advogado-geral do Senado, Luiz Fernando Bandeira de Mello. ¿Se há um componente político na decisão, eu não posso dizer. Mas a decisão de se anular está juridicamente perfeita¿, afirmou outro integrante. ¿Todo ato do presidente do Senado é um ato político. Tem que ver se tem respaldo jurídico¿, afirmou o primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes, que foi informado na manhã de ontem da decisão de Sarney. O parlamentar sugeriu que a decisão de Sarney fosse submetida à Mesa Diretora. De concreto, o presidente do Senado vai enviar hoje ofício para que os 80 gabinetes de senadores demitam funcionários nomeados por atos secretos.

O líder do PSDB na Casa, Arthur Virgílio (AM), elogiou a decisão de Sarney em anular os atos. Contudo, afirmou que as medidas não diminuirão a cobrança da oposição pelas respostas sobre denúncias contra o presidente da Casa. ¿Não estou convencido de que as questões estão esclarecidas.¿ Cristovam Buarque (PDT-DF) e Renato Casagrande (PSB-ES) também cobraram explicações de Sarney. Ontem, durante reunião ministerial, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva saiu mais uma vez em defesa do peemedebista e disse que a crise no Senado está superada.

NADA DE DIVULGAÇÃO

Nomeações e exonerações de servidores, regras para a realização de hora extra, criação e prorrogação de comissões especiais são atos divulgados no boletim administrativo de pessoal, publicação diária disponibilizada na rede interna de computados do Senado. Nos últimos 14 anos, período que coincide com a permanência de Agaciel Maia no cargo de diretor-geral, parte dessas normas ficaram fora do sistema, escondendo situações irregulares como o nepotismo.

Casos controversos

Ao longo de 14 anos, foram editados ao menos 663 atos secretos que beneficiaram parlamentares, servidores, funcionários comissionados, entre outros. Ontem, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), decidiu anular todos os atos. Saiba os casos mais polêmicos:

Nepotismo Há casos de parentes de senadores que foram nomeados ou exonerados. Um desses atos escondeu, em fevereiro de 2007, a exoneração de Ivan Sarney, irmão do presidente do Senado, do gabinete de Epitácio Cafeteira (PTB-MA).

Horas extras Um dos atos de outubro de 2008 permitiu a 800 servidores efetivos de gabinetes de parlamentares receber hora extra for a dos limites anteriores. A justificativa é de que houve redução do quadro efetivo da Casa. Antes do ato secreto, apenas se podia receber o extra entre terça e quinta-feira.

Comissões Com essas normas, transformaram comissões temporárias em permanentes. Disputadíssima por servidores, a participação dos funcionários nas comissões rendem ganhos adicionais de até R$ 2,3 mil mensais nos contracheques.

Cargos e salários Conforme revelou o Correio, os atos serviram para que as lideranças de pequenos partidos no Senado criassem cargos. Também foi utilizado para engordar salários de servidores, inclusive do próprio diretor-geral da Casa Agaciel Maia.