Título: Persistem problemas de gestão na Saúde
Autor:
Fonte: O Globo, 30/10/2010, Opinião, p. 6

Entre vários temas de importância que faltou debater mais vezes e com profundidade, numa campanha repleta de mistificações e contaminada por agressividade estéril, destaca-se a saúde pública.

Boa parte do tempo investido pelos dois candidatos em torno da questão foi gasta numa competição improdutiva entre promessas de construção de redes de postos de atendimento, com nomes diferentes, mas com o mesmo objetivo: aliviar a pressão sobre os hospitais.

Objetivo correto. Mas melhorar a qualidade do atendimento na gigantesca rede do SUS (Sistema Único de Saúde) vai além de um programa de obras. O candidato José Serra teve a vantagem de apresentar a folha corrida de bom ministro da Saúde na administração FH.

Mas as exigências da saúde pública requerem análises e propostas de políticas bem mais amplas e profundas que as verificadas nos debates, antes do de ontem.

A questão do financiamento apareceu nas discussões. Esta é quase uma tradição quando se discute a Saúde: falta de dinheiro. Foi essa preocupação, ainda no governo Itamar Franco, em 1993, que levou à criação do Imposto sobre Movimentação Financeira (IPMF), o ¿imposto do cheque¿, pelo qual moveu uma cruzada o ministro da Saúde Adib Jatene.

Depois, em 2006, na Era FH, o imposto foi convertido em ¿Contribuição¿, pois, com esta denominação, o Executivo federal deixaria de reparti-lo com a Federação.

Foi mantido o ¿provisório¿, apenas pro forma, porque, a depender dos governos, o gravame seria eternizado. Até que o Senado derrubou a CPMF, em dezembro de 2007.

Sob aplausos. Afinal, além de ser um imposto de má qualidade ¿ inflava toda a cadeia de custos da produção e punia os mais pobres ¿, a CPMF já havia perdido a característica de fonte de financiamento da Saúde. Entrava no caixa único do Estado e servia para qualquer coisa. Na campanha, o presidente Lula vociferou contra o Senado, acusando-o de, em três anos, ter subtraído R$ 120 bilhões de hospitais e ambulatórios públicos. Balela. Além de os recursos não serem integralmente transferidos para o setor, a perda de receita causada pelo fim da CPMF foi compensada com folga pelo aumento da arrecadação, em menos de um ano.

Há, portanto, também um grave problema de gestão na saúde pública, de que os candidatos passaram ao largo. Não deveriam.

A carga tributária sobre a sociedade ¿ na faixa de 36% do PIB, a mais elevada entre os emergentes ¿ exige do poder público, em qualquer nível, ganhos de eficiência no guichê das despesas. Infelizmente, quando falta dinheiro, a preferência costuma ser dada ao aumento de impostos e nunca à melhoria de qualidade na ponta dos gastos. É provável que o assunto não tenha entrado na relação de promessas eleitorais, e com a ênfase devida, em função dos fortes interesses de corporações sindicais existentes na saúde pública.

Soluções para melhorar a gestão da rede de atendimento ¿ fazer-se mais, melhor e com menos gasto ¿ existem, e são aplicadas com êxito em alguns estados. Elas preveem salários mais elevados, com a contrapartida de maiores dedicação e competência dos profissionais.

Mas os sindicatos preferem a tranquilidade da baixa remuneração com estabilidade empregatícia. A população de renda mais baixa paga o preço por esta postura corporativista.

A crise latente da Saúde aguarda o vitorioso da eleição de amanhã.