Título: País deve buscar acordo cambial no G-20
Autor:
Fonte: O Globo, 30/10/2010, Opinião, p. 6

A geografia da economia mundial vem passando por grandes mudanças, a ponto de muitos especialistas projetarem para a década de 2020 uma participação relativa de 55% dos países emergentes no produto bruto (PIB) do planeta. Enquanto algumas nações emergentes já registram um crescimento acelerado, as economias mais desenvolvidas encontram hoje muitas dificuldades de recuperação.

Nesse contexto, desequilíbrios comerciais têm se agravado, em parte porque moedas como o dólar e o euro sofreram depreciações resultantes do enfraquecimento das economias americana e europeia, e, principalmente, porque a China, que continua a se expandir a um ritmo espantoso, controla o seu câmbio artificialmente.

Nesse impulso de crescimento, centenas de milhões de chineses saíram de uma situa ção de penúria, passando a ter acesso a bens e serviços que antes pareciam impossíveis de ser alcançados ¿ ainda mais depois de décadas sob um regime comunista retrógrado, que restringiu não apenas os direitos humanos, mas também as atividades econômicas privadas.

A alavanca do crescimento chinês foi a exportação de todas as categorias de manufaturados, de bugigangas a máquinas e equipamentos. Oferta de mão de obra barata e legislação trabalhista sem qualquer tipo de restrição, conjugadas a um espetacular nível de poupança interna, transformaram a China ¿na fábrica do mundo¿.

Mas o próprio crescimento acelerado tem alterado as condições iniciais, e, sem um câmbio artificialmente controlado, a China talvez não consiga mais manter a mesma ¿competitividade¿ de alguns anos atrás.

Na falta de um ajuste natural, outros países, na Ásia, especialmente, têm forçado a desvalorização de suas moedas, provocando uma espécie de guerra cambial admitida por autoridades no mundo inteiro.

O Brasil adotou medidas de curto prazo ¿ e deveria ainda tomar iniciativas que criem um anteparo mais duradouro ¿, para estancar movimentos especulativos em torno do real, e agora espera que uma articulação internacional contribua para conter a guerra cambial.

O encontro preparatório em Washington para a reunião do G-20 (grupo das vinte situamaiores economias do mundo) que será realizada na Coreia do Sul, no início de novembro, delineou o esboço de um acordo.

Como não há possibilidade de haver ¿vencedores¿ nessa guerra cambial, o acordo é necessário para se evitar uma onda protecionista que leve o comércio mundial a regredir.

Com o câmbio flutuante, o Brasil tem fortes razões para combater, nos foros internacionais, esse artificialismo de outras economias.

Por isso, já propôs que o Fundo Monetário crie um índice para medir o artificialismo cambial de cada economia.

Existem muitas pressões domésticas, de setores da indústria e mesmo da agropecuária, para que o governo se engaje em uma onda protecionista ou caminhe para o artificialismo no câmbio. A tentação é forte, e por isso é muito importante para o país que a próxima reunião do G-20 termine com saldo positivo.