Título: Violência no Haiti impede socorro a doentes
Autor: Guedes, Luisa; Lages, Christine
Fonte: O Globo, 18/11/2010, O Mundo, p. 33

Presidente faz apelo por fim de protestos contra tropas da ONU, que dificultam chegada de ajuda humanitária

Com o objetivo de impedir que intensos protestos contra as tropas das Nações Unidas cheguem à capital do Haiti, Porto Príncipe, o presidente René Préval pediu ontem calma à população, afirmando que a violência vem prejudicando os esforços de combate à epidemia do cólera. A segunda maior cidade do país, Cap Haitien, foi a mais afetada pelos distúrbios e, em alguns casos, a ajuda humanitária foi suspensa. Manifestantes voltaram às ruas e queimaram carros e pneus, em protesto contra os soldados nepaleses, acusados de levarem a doença para o Haiti.

O apelo de Préval foi feito em meio à campanha para as eleições presidenciais, que ocorrem no dia 28. Sob o temor da abstenção nas urnas, os candidatos mantiveram seus comícios essa semana, apesar de o número de mortos pela doença ter ultrapassado mil.

- Fazemos campanha como se não houvesse cólera, porque devemos ficar em contato com as pessoas e fazer com que se sintam confiantes - disse o candidato e cantor Michel "Sweet Micky" Martely. - Por isso, abraçamos todos, nos juntamos a todos, caminhamos com todos na esperança de não nos infectarmos.

Diante do caos em diversas cidades e vilarejos, o presidente advertiu que as barricadas impedem que a população receba a assistência médica necessária, e acrescentou que os protestos não ajudarão a acabar com a epidemia. Ontem, a ONU cancelou os voos que transportavam sabão e especialistas a Cap Haitien e a Port de Paix, segundo a coordenação para assuntos humanitários da organização. Já a ONG Oxfam suspendeu os projetos de purificação de água com cloro, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) interrompeu o treinamento de sua equipe. Além disso, um depósito do Programa Mundial de Alimentos foi saqueado e queimado.

- Temos de levar ajuda a essa gente imediatamente, e estes distúrbios estão atrasando a entrega - afirmou Julie Schindall, porta-voz da Oxfam.

A ONU atribuiu os distúrbios a agitadores políticos interessados em atrapalhar a eleição. As manifestações em Cap Haitien e em outras cidades já mataram duas pessoas e deixaram dezenas de feridos.

Flórida registra primeiro caso da doença

Segundo o coordenador para as áreas de saneamento e água da ONG brasileira Viva Rio, Valmir Fachini, o maior fator para disseminação da doença continua sendo os cuidados básicos da população. Para ele, a propagação se deve aos maus hábitos dos haitianos.

- As pessoas não estão tendo suficientes cuidados. Elas não sabem se proteger tanto. Acabam sendo contaminadas ao beber água em saquinhos plásticos. A comida é toda feita na rua, o que representa um outro perigo. Utiliza-se muita cana de açúcar aqui. Na hora que estão preparando, há moscas e isso é ponto de contaminação. Pequenas coisas possibilitam a propagação do cólera - disse ele, por telefone, ao GLOBO.

Para Jean Claude Signole, diretor da ActionAid no Haiti, a situação é especialmente desafiadora nas áreas rurais, onde grande parte da população fala crioulo e não compreende o material de prevenção distribuído por ONGs.

- A situação é preocupante. A infraestrutura é precária e o acesso à informação é muito difícil - afirmou Signole.

Depois de confirmar na terça-feira o primeiro caso de cólera no seu território, a República Dominicana reforçou ontem suas medidas de controle sanitário. Segundo o ministro da Saúde Bautista Rojas Gómez, o haitiano residente do país vizinho Wilmo Louwef, de 32 anos, foi atendido numa região próxima do principal ponto turístico dominicano, Punta Cana. Gómez acredita que não há motivo para grandes preocupações.

- A população não deve se preocupar com este primeiro caso, mas deve manter as medidas de higiene que já recomendamos - alertou.

A epidemia também gerou alerta nos Estados Unidos. Autoridades da Flórida confirmaram um caso da doença num residente que havia visitado parentes no Haiti. Funcionários disseram que as boas condições sanitárias no país tornam mínimo o risco de um surto.