Título: Fatura amiga
Autor: Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 18/11/2010, O País, p. 3

Aliados defendem legalizar bingos e cobram aumento de gastos do futuro governo Dilma

Líderes da base do governo sugeriram ontem, durante reunião do Conselho Político, no Palácio do Planalto, a legalização dos bingos como forma de o futuro governo obter recursos extras para o aumento real do salário mínimo ou para garantir um orçamento maior para a Saúde, defendido por vários setores do Congresso. Ao abordar a chamada PEC-300, uma outra proposta polêmica que cria piso salarial para policiais e que, se aprovada, aumentaria em R$30 bilhões os gastos anuais dos estados e da União, líderes afirmaram que policiais militares de todo o Brasil estão articulando uma greve geral para o início do governo da presidente Dilma Rousseff. O anúncio da greve já seria uma forma de pressioná-la a aceitar o piso de R$3.200 para a categoria.

A despeito da ideia dos líderes de legalizar os bingos para aumentar a receita do governo federal, o relator do Orçamento 2011, senador Gim Argello (PTB-DF), revelou que há margem na proposta orçamentária para que o mínimo chegue a R$570 no ano que vem - uma ideia da qual o governo não quer nem ouvir falar. O problema, segundo afirmou Argello, são as pequenas prefeituras, que, em abaixo-assinado, afirmam que não têm como absorver o impacto do aumento.

Áudio de encontro fechado vazou

A reunião do Conselho Político era fechada à imprensa, mas o áudio das intervenções dos líderes vazou para a sala de imprensa, no térreo do Planalto. O áudio ficou disponível por cerca de 50 minutos. Quando o presidente Lula chegou para participar da reunião, o som foi cortado - não se sabe se por causa da chegada dele ou se porque se descobriu que o som estava vazando para os jornalistas.

A reunião foi convocada para tratar dos assuntos pendentes no Congresso nesta reta final do governo Lula. Os líderes partidários se revezavam em suas observações. O deputado Paulo Pereira da Silva (SP), líder do PDT e conhecido como Paulinho da Força, afirmou que as centrais sindicais vão continuar pressionando para elevar ao máximo o novo valor do mínimo. O governo fala publicamente em R$540, mas admite nos bastidores R$560, no máximo. As centrais querem R$580.

- Essa discussão do salário mínimo não é nova. E sempre eles vêm com a mesma conversa: vai quebrar as prefeituras - disse Paulinho.

Gim Argello disse que seguiu orientação do governo ao fixar o mínimo em R$540 no Orçamento do ano que vem. No entanto, revelou que é possível chegar a R$570.

- Tem margem para aumentar um pouquinho o salário mínimo? Tem margem para aumentar um pouquinho. Agora, é o correto fazer isso? Porque, se aumentar para R$560, R$570, no repique do ano que vem vai bater perto de R$700. É o certo isso? Acho que é o certo. Mas o problema todo, e temos que avaliar, é que chegou um abaixo-assinado de mais de 600 prefeituras dizendo que não dá para pagar - disse o relator do Orçamento, que informou que recebeu um pedido do ministro da Previdência Social, Carlos Eduardo Gabas, para que o reajuste não ultrapassasse R$540 para não impactar ainda mais o déficit da Previdência.

Paulinho da Força declarou-se ainda favorável à aprovação da PEC 300 e afirmou que está do lado dos policiais militares.

- Eu acompanhei de perto a luta da Polícia de São Paulo. Aquela briga começou comigo - lembrou, referindo-se a um confronto entre policiais civis e militares em 2008.

Citando que a Polícia de São Paulo ganha R$1.400 e tem tíquete refeição de R$4, disse que não pode deixar para o governo paulista, do PSDB, resolver:

- Precisamos encontrar uma solução para a PEC-300. Não é enrolar o pessoal, porque não dá mais para enrolar. Eles estão organizando uma paralisação logo no início do governo Dilma. E uma greve da polícia, em nível nacional, não é fácil.

Padilha minimiza defesa de bingos

Para melhorar o caixa do governo, Paulinho sugeriu a aprovação de projeto de lei, parado na Câmara, que legaliza os bingos. O deputado há muito tempo é ligado ao setor, mas o governo é contra.

- O governo fala tanto de dinheiro. O bingo dá R$7 bilhões de imposto por ano. Isso é só o início. Hoje, é possível controlar centavo por centavo das máquinas. E a gente vê resistência de parte do governo. (..) É uma fonte de arrecadação que tem aí. A grande maioria na Casa é favorável.

O líder do PR, Sandro Mabel, concordou com a sugestão do colega. No entanto, ele tem uma destinação para esses R$7 bilhões: a Saúde.

- Bingo é uma coisa que existe, não é tributado, é clandestino. Quem ganha com o bingo são aqueles que dão proteção ao funcionamento clandestino. Tem de pegar essa receita.

O ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, minimizou a defesa da legalização dos bingos. Para ele, o projeto em questão não tem consenso nem mesmo entre os parlamentares que dão apoio ao governo:

- Esse é um tema a ser debatido. Não tem consenso nem com os partidos da base.

Sobre a possibilidade de greve de PMs, Padilha disse que nem sob pressão o governo irá aprovar projetos que criem despesas para o próximo governo. O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), justificou a posição contrária à aprovação da PEC-300:

- Como está no áudio que vazou, temos uma preocupação grande com o cenário mundial. Os países da Europa não venceram totalmente a crise. Para discutir a PEC-300, teríamos que envolver os governadores e a Dilma, e definir o piso. Essa ameaça de greve dos policiais já existe, sempre surge a ameaça. Acho legítimo o movimento, mas insisto: temos que discutir com os governadores, que são os que pagarão essa conta.

Sobre a legalização dos bingos, Vaccarezza afirmou:

- Se houver consenso, é viável (votar ainda este ano).

COLABOROU: Isabel Braga