Título: Injeção de US$ 600 bi nos EUA
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Fonte: O Globo, 04/11/2010, Economia, p. 23

BC americano vai comprar títulos do Tesouro, mas analistas duvidam de eficácia na economia

Numa tentativa de dar mais fôlego à recuperação da economia americana, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) anunciou ontem que vai comprar US$ 600 bilhões em títulos do Tesouro até meados do ano que vem. As compras serão efetuadas mensalmente, no volume de US$ 75 bilhões. As especulações dos mercados giravam em torno de uma injeção de recursos de US$ 500 bilhões, apesar de alguns analistas falarem em até US$ 1 trilhão. O temor de especialistas é que o despejo bilionário de dinheiro na economia derrube ainda mais o valor do dólar. E o governo brasileiro espera mais ingressos de recursos estrangeiros no país.

Foi a primeira ação de política monetária depois de o Partido Republicano ter conquistado a maioria na Câmara dos Representantes, o que significará impasses com relação a medidas como corte de impostos e gastos do governo para estimular a criação de empregos e o crescimento.

O Fed informou ainda que continuará a reinvestir em papéis do Tesouro os ganhos obtidos com seus títulos que têm garantia em hipotecas.

Até junho de 2011, devem ser aplicados de US$ 250 bilhões a US$ 300 bilhões no programa, iniciado em agosto. Com isso, os gastos do Fed podem chegar a US$ 900 bilhões.

O BC americano justificou a decisão afirmando que o desemprego está elevado e a inflação, baixa. E disse que a recuperação da economia tem sido ¿desapontadoramente lenta¿.

O Fed, ao informar que vai revisar regularmente o programa, deixou aberta a possibilidade de compras adicionais. Algo semelhante ao que ocorreu no primeiro afrouxamento monetário, promovido pelo Fed em novembro de 2008. A compra inicial era de US$ 600 bilhões, mas, quatro meses depois, foi ampliada para US$ 1,8 trilhão.

O Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês), ao terminar ontem sua reunião de dois dias, também manteve a taxa básica de juros da economia no intervalo entre zero e 0,25% ao ano.

A taxa está nesse patamar desde dezembro de 2008.

Dólar já recuou 7,5% desde junho

A decisão sobre as compras de títulos não foi unânime. Thomas Hoenig, presidente do Fed de Kansas City, que foi contra, citou os riscos de desequilíbrios fiscais e inflação elevada a longo prazo, o que levaria à desestabilização da economia.

Economistas, por sua vez, mostraram dúvidas sobre a eficácia do programa.

Jeff Kleintop, estrategista de mercado da LPL Financial, não sabe se os US$ 600 bilhões serão suficientes.

Se, por um lado, os juros baixos podem estimular os americanos a refinanciarem suas hipotecas ¿ e, consequentemente, terem mais recursos para gastar, movimentando a economia ¿, por outro o dólar deve se depreciar ainda mais, já que a oferta de moeda vai aumentar. O dólar já caiu 7,5% desde junho frente às moedas dos principais parceiros comerciais dos EUA. Isso exarcebaria as tensões comerciais e cambiais no mundo.

¿ Foi um passo a mais nessa guerra cambial da qual tanto se fala.

Para quem duvidava da guerra cambial, aí está ¿ afirmou o economistachefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.

O mercado americano respondeu bem. O índice Dow Jones, de Nova York, recuava em torno de 0,5% quando do anúncio do Fed, mas acabou fechando em alta de 0,24%, aos 11.215 pontos, maior patamar desde setembro de 2008. O Nasdaq avançou 0,27%, e o S&P, 0,37%. Mais cedo, as bolsas europeias e índices asiáticos fecharam em queda. No Brasil, o Ibovespa, principal referência do mercado, avançou 0,48%, aos 71.904 pontos, o maior nível desde 11 de outubro. Já o dólar caiu 0,40%, para R$ 1,701.

Há também o risco de que a ação do Fed seja neutralizada por um Congresso republicano, que defende menos gastos públicos. O presidente Barack Obama, ao falar ontem sobre o resultado das eleições, ressaltou que a China tem feito avanços tecnológicos porque tem investido. E deu a entender que os EUA têm de fazer o mesmo: ¿ Eles estão investindo porque sabem que esses investimentos vão compensar a longo prazo ¿ afirmou.

O consultor Leonard Santow teme que o Fed esteja reagindo à falha da política fiscal com outro erro: ¿ A política monetária já está insustentavelmente frouxa, e levar ainda mais afrouxamento à generosidade do Fed fará pouco para estimular a economia.

Para os especialistas, o endividamento das famílias é uma das principais razões para se duvidar da capacidade de os novos estímulos acelerarem o crescimento da atividade econômica. Famílias estão fortemente endividadas, o que restringe a procura por novos empréstimos para consumo.

As contas do governo, por outro lado, têm déficit elevado.

¿ O dinheiro que o Fed joga hoje na economia se transforma menos em crédito do que ocorria antes. O dinheiro vai para os bancos, mas não se transforma em empréstimos.

Há um empoçamento de liquidez ¿ disse o economista-chefe da Modal Asset Management, Felipe Tâmega.

Economista defende mais gasto público

O economista do Banco Santander Cristiano de Souza apontou que a poupança das famílias representa hoje 5,3% da renda disponível, taxa que era de 1% em 2007.

¿ As famílias estão poupando para poder pagar suas dívidas. Não há demanda para novos empréstimos ¿ disse Souza, que viu um tom mais pessimista sobre a situação da economia americana na nota do Fed.

Para a economista-chefe da Rosenberg & Associados, Thaís Marzola Zara, os novos estímulos devem ajudar a atividade econômica, mas a recuperação ainda tem um longo caminho a ser percorrido: ¿ As medidas podem ajudar um pouco, mas talvez não sejam suficientes para tirar a economia americana da atual letargia.

Ainda assim, economistas acreditam que esta é a única alternativa, ainda mais agora que a maioria republicana na Câmara vai dificultar a aprovação de quaisquer outras medidas fiscais do governo Obama.

¿ Uma política fiscal, com mais gastos, funcionaria melhor para estimular a economia. Mas, agora que os democratas perderam a Câmara, isso é difícil ¿ disse Gonçalves, do Fator.

COLABOROU Lucianne Carneiro, com agências internacionais