Título: A liberdade é fundamental para a economia
Autor: Vicent, Maurício
Fonte: O Globo, 10/11/2010, O Mundo, p. 31

Economista e ex-diplomata que passou à dissidência por discordar do governo cubano, Oscar Espinosa Chepe não vê muita chance de a reforma proposta por Raúl Castro funcionar. ¿O que o governo quer é promover mudanças para não ter que mudar o modelo¿, disse, por telefone.

Cristina Azevedo

O GLOBO: Houve a libertação de parte dos presos políticos, e o governo debaterá mudanças na economia. Existe realmente um processo de reforma? OSCAR ESPINOSA CHEPE: São reformas parciais. O problema não é atualizar o modelo cubano, ele é irreparável. Fala-se em permitir a atividade individual até certo ponto. Permitir o trabalho por conta própria e a contratação de funcionários, mas com muitas limitações. O que o governo quer é promover mudanças para não ter que mudar o modelo, a natureza do sistema. Não quer falar de propriedade privada. Não vai permitir o enriquecimento ou a concentração de propriedades. Não vai funcionar.

Seria diferente do modelo chinês? ESPINOSA CHEPE: Sim. O modelo chinês prevê margens de lucros maiores. Deng Xiao Ping disse que enriquecer era glorioso. Em Cuba, a filosofia é diferente. Não vão permitir riqueza em demasia. Querem que as pessoas ganhem pouco mais do que um trabalhador comum.

O país pode atrair investimentos estrangeiros? Em quais setores? ESPINOSA CHEPE: O problema não é que queiram atrair investimentos estrangeiros, mas que os estrangeiros tenham interesse em investir em Cuba. É preciso haver garantias.

Pode haver investimento em turismo.

Cuba tem uma força de trabalho barata e que não pode fazer greve. Mas este é um país na bancarrota, e isso não favorece o investimento estrangeiro.

O fim de subsídios e da caderneta de racionamento podem gerar insatisfação? ESPINOSA CHEPE: O racionamento é resultado da escassez de produtos. A maioria dos cubanos conhece a caderneta desde que nasceu. Para tirá-la, tem que haver condição de produção. Nas condições atuais, muitos não poderão comprar alimentos.

Quanto ao descontentamento, ele já existe: 500 mil trabalhadores serão demitidos.

O congresso poderá discutir o papel de Fidel Castro? ESPINOSA CHEPE: Creio que não. Disseram que debaterão apenas temas econômicos.

E não vejo como discutir problemas econômicos sem política. Não faz sentido. A liberdade é fundamental para a economia.