Título: Cuba busca modelo próprio
Autor: Vicent, Maurício
Fonte: O Globo, 10/11/2010, O Mundo, p. 31

Raúl anuncia congresso para mudar economia e reduzir papel do Estado, sem deixar socialismo

OPartido Comunista de Cuba (PCC) vai celebrar em abril seu primeiro congresso em 14 anos e com apenas um tema em debate, a mudança do modelo econômico, num momento especialmente crítico e quando a liderança histórica da revolução está a ponto de desaparecer. O encarregado de convocar o encontro foi Raúl Castro, segundo secretário do PCC e presidente da nação, que pediu aos cubanos ¿união¿ para enfrentar o processo de discussão que começa agora e que deverá abrir o país a um sistema misto, com cada vez mais espaço para a iniciativa privada e menos papel para o Estado.

A grande incógnita é até que ponto Raúl Castro está disposto a chegar no processo de reformas (econômicas, quando não políticas) e o tamanho da resistência que encontrará no partido.

Sentado ao lado do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em Havana, Raúl Castro foi direto ao assunto ao anunciar o congresso para a segunda quinzena de abril, dizendo que disso ¿depende a sustentabilidade e preservação¿ da revolução.

¿ O sexto congresso do partido se concentrará na solução de problemas econômicos ¿ disse Raúl, que celebrava o 10 oaniversário do acordo econômico Cuba-Venezuela.

¿ (A reunião) tomará decisões fundamentais sobre como modernizar o modelo econômico cubano e adotar caminhos para as políticas econômica e social do partido e da revolução.

Chávez, por sua vez, elogiou ¿a coragem de Raúl em modernizar o socialismo¿.

O PCC divulgou, então, o Projeto de Alinhamentos da Política Econômica e Social, um documento de 32 páginas, que contém as diretrizes que devem servir de base para um grande debate nacional, que começará em dezembro e terminará em 28 de fevereiro.

Mas ele deixa claro que Cuba continuará sendo um país socialista.

¿A política econômica na nova fase seguirá o princípio de que somente o socialismo é capaz de superar as dificuldades e preservar as conquistas da revolução, e que, na atualização do modelo econômico, a primazia deve ser o planejamento, e não o mercado¿, diz o texto.

Abrem-se as portas à descentralização e à autogestão empresarial, à criação de negócios privados, cooperativas e uniões de cooperativas em setores como construção, gastronomia e serviços. O texto propõe fórmulas flexíveis para a compra e venda de casas ¿ proibida por Fidel Castro há décadas, e uma das principais queixas da população. E promete a abertura de lojas a preços de atacado para abastecer autônomos.

As autoridades admitem que a caderneta de racionamento, uma cota mensal de alimentos básicos, desaparecerá.

O gasto social em educação e saúde sofrerá cortes, as empresas estatais ineficientes serão fechadas e terras ociosas continuarão sendo entregues a agricultores. O processo para reduzir as folhas de pagamento (se supõe a perda de 500 mil empregos estatais nos próximos meses), consolidase como uma estratégia do governo para reativar a economia.

Outros pontos incluem a necessidade de avançar num processo de unificação monetária. Atualmente, o país tem duas moedas: o peso cubano, que é o dinheiro usado no pagamento de salários e serviços, e uma outra nota, também emitida pelo Banco Central, que se equipara a moedas estrangeiras. O texto prevê ainda o estímulo ao investimento externo, mas como ¿complemento à estratégia de desenvolvimento do país¿.

Além disso, o documento destaca a necessidade de garantir o pagamento das dívidas com empresas estrangeiras através de uma ¿reorganização dos vencimentos¿. A imagem cubana na comunidade internacional foi arranhada nos últimos dois anos quando a crise forçou o congelamento de contas de empresas estrangeiras em bancos cubanos. Segundo Raúl, o documento foi apresentado a Fidel antes de sua divulgação.

O congresso ¿ que deveria ter sido celebrado em 2002 e ocorrerá no próximo ano com nove anos de atraso ¿ será seguido por uma conferência do PCC, para tratar de assuntos de caráter interno.

Será, então, quando deverão ser eleitos membros da nova cúpula do Comitê Central e do Escritório Político.

Embora afastado da Presidência do país, Fidel Castro, de 84 anos, ainda é o primeiro secretário do partido.

Não está claro, no entanto, se o seu papel poderá ser discutido.

Essa é a instância em que o PCC estabelece as diretrizes do país para aos cinco anos seguintes. A crise econômica e os problemas de saúde de Fidel acabaram fazendo com que o último ocorresse em 1997. Considerando a idade dos líderes do país, o congresso de 2011 poderá ter um significado especial, porque poderia ser o último da geração que fez a Revolução Cubana.

Desde que Raúl assumiu a Presidência, em 2008, ele tem feito reformas na economia para enfrentar a crise. Entre 1997 e 2009, o país perdeu mais de US$ 10 milhões na variação entre importações e exportações. Outros US$ 20 milhões foram perdidos com a passagem de furacões.

As secas também provocaram prejuízos de US$ 1,3 milhão.

A maior parte da população trabalha para o governo e recebe um salário equivalente a US$ 20. Mas a educação e o atendimento médico são gratuitos, e transporte, habitação e alimentação são subsidiados.

Raúl, no entanto, diz que o governo já não pode arcar com tantos gastos.

Mais recentemente, num acordo intermediado pela Igreja Católica, foram libertados e enviados à Espanha a maioria dos 75 presos políticos da Primavera Negra de 2003. Mas 13 deles ainda estão na prisão.