Título: Embalada pela vantagem nas pesquisas
Autor: Lima, Maria
Fonte: O Globo, 31/10/2010, O País, p. 30

Depois de cruzar o Brasil, na última semana de campanha, Dilma faz seresta em voos e sonha com Planalto

FORTALEZA, BRASÍLIA e RIO. No domingo passado, o primeiro dia da última semana da maratona eleitoral que durou cerca de 260 dias com altos e baixos, a candidata petista, Dilma Rousseff, comemorou o sucesso de uma carreata na Zona Oeste do Rio com uma seresta, durante o voo de volta a São Paulo, no meio da tarde.

A dianteira nas pesquisas já havia espantado o susto do segundo turno e a percepção de que deverá ser a presidente do Brasil já era certa. Passado o susto, mas não a ansiedade, Dilma come. E, para espantar o medo de avião, durante os trajetos no jatinho que cruzou os céus país afora, canta com seu vozeirão que nem a fonoaudióloga conseguiu amaciar.

Com os companheiros da maratona eleitoral, durante os voos ela encarna Celly Campelo e entoa Biquíni de bolinha amarelinho, que ela sabe a letra inteira, e hits da Jovem Guarda, de Roberto Carlos a Jerry Adriani.

No avião, Dilma se pela de medo. Ela come e manda eu cantar. Eu canto de tudo, de Chico Buarque a Cartola. Ela gosta de Jovem Guarda. Sabe todas. Domingo, voltamos para São Paulo numa cantoria só conta o presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra.

Em São Paulo, de domingo para segunda-feira, ela se preparou para o penúltimo debate, o da Rede Record, que varou a madrugada.

Cansada, encerrou o dia comendo apenas uma canja no hotel. Sem jantar em grande estilo para comemorar, como após o debate da Band, em que a candidata inaugurou sua assertividade no segundo turno.

Não só porque o debate da Record foi chocho, na definição de Dutra, mas porque no dia seguinte ela teria uma agenda pesada no Nordeste, onde sonha alcançar 80% dos votos.

Dilma tomou uma canja, e nós tomamos um vinho. Mas não foi Romanée-Conti diz Dutra, lembrando da polêmica comemoração de petistas em 2002 com o caríssimo vinho.

A seis dias da eleição, Dilma liderou a superterça de pequenos comícios e carreatas em três estados do Nordeste Ceará, Pernambuco e Bahia que lhe rendeu nova rouquidão. Num moderno helicóptero de propriedade do senador eleito Eunício Oliveira (PMDB-CE), Dilma fez o trajeto do aeroporto de Fortaleza até o heliponto do Hotel Marina, onde foi recebida por uma pequena multidão e pelo padre Ferreira, pároco da Igreja de Santa Edwiges. Dilma foi direto a ele e recebeu um sinal da cruz.

Vou lhe dar a bênção da mãe mais importante, Nossa Senhora, para que faça um governo como o de Cingapura, onde não tem pré-sal, mas mesmo assim não tem nenhum pobre disse Padre Ferreirinha.

Levada por Ciro Gomes, apertou a mão dos populares e embarcou em um carro de Eunício rumo à carreata onde a multidão gritava como mantra uma frase inspirada em uma música do cearense Tiririca: Serra não, mamãe!.

Prostração do 1º turno para trás

A prostração e quase depressão do pós primeiro turno ficaram para trás. Com a injeção de ânimo da militância, de Lula, da equipe e parentes, Dilma encarava a maratona com disposição.

Encarnando já a personagem de presidente do Brasil, pediu à militância que não ficasse com salto alto, apenas um saltinho.

A gente ainda está em campanha.

Não calça salto alto. A campanha só acaba dia 31, né? disse, cautelosa. Qual o energético que me leva para cima? A energia vem a cada vez que me abraçam. A cada vez que dão uma força para mim, é um energético. Não é só minha mãe (que liga periodicamente para Dilma) que me anima, todos eles.

Tem mais ânimo que aqui? concluiu, fazendo um coração com as mãos e apontando para a equipe e para o povo.

Com o pé lesionado, sem fazer ginástica há cerca de dois meses, e com sobrepeso, o uso de um polivitamínico turbina o fôlego da candidata petista. Por causa da ansiedade, tem atropelado a dieta, comendo tudo que vê pela frente, principalmente durante os longos voos. Para os almoços a bordo, além de doces, há sempre dois tipos de carne.

O melhor polivitamínico é ter 12 pontos de frente nas pesquisas emendou Eunício.

Na quinta-feira, também de agenda leve, Dilma se encontrou com petroleiros e aproveitou o dia para treinar com o deputado Antonio Palocci e sua assessora Olga Curado para o debate de sexta-feira na Rede Globo. Com a equipe, ela reviu o vídeo do debate de Lula e Geraldo Alckmin na Globo, em 2006, para se acostumar com o formato e pegar o jeito de seu mestre.

Na sexta-feira, Dilma já estava no Rio, sem agenda prevista, se preparando exclusivamente para o debate da Rede Globo.

Num hotel em Copacabana, passou o dia com o trio da coordenação da campanha Dutra, Palocci e José Eduardo Cardozo além de Nelson Barbosa, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, um dos mais cotados para titular da pasta, e outros assessores.

No sábado, antes de ir para Porto Alegre, onde vota hoje, ela foi a Belo Horizonte e deu uma última paparicada no eleitorado mineiro, considerado decisivo para este segundo turno.

A rotina de Dilma inclui, desde meados do primeiro semestre, dedicação e paciência para cuidar da beleza, o que não parecia ser uma grande preocupação antes de se tornar candidata.

Responsável pela imagem suavizada de Dilma, o cabeleireiro Celso Kamura, que tem contrato com a campanha, diz que semana passada ela estava mais relaxada.

Para os dias de gravação em estúdio, ele prepara cabelo e maquiagem de manhã. Leva um kit beleza para retoques ao longo do dia feitos pela assistente de Kamura, Rose Paz. Para o debate da Rede Globo, o cabeleireiro aparou e escureceu um tom os cabelos de Dilma.

No sobe e desce de caminhão, a Rose dá uma arrumada no batom, mas o cabelo ela não arr uma mais, gosta natural disse Kamura.

Sobre o sobrepeso de Dilma nessa reta f i n a l , e l e d i z que ela tem sido alvo de críticas das mulheres, mas acredita que os homens que se lembram da imagem anterior de Dilma, antes da arrumação, acham que ela está muito melhor: Ela está mais gordinha por causa do remédio (corticóides).

Dilma hoje é o retrato da mulher atual, arrumada todos os dias.

As pessoas se lembram da imagem dela do passado e acham que agora está bem melhor. Esse negócio de achar que ela está gorda é coisa de mulher. Os homens acham que ela está ótima! Kamura conta que quando Dilma se senta na cadeira para se arrumar, ao mesmo tempo olha números no computador, lê documentos e cuida de outros assuntos da campanha: O bafo é a pressa! Quando está se arrumando, não tem nem muito assunto. Não fica parada, se olhando no espelho. Fala uma coisa ou outra, que o cabelo está espetado demais ou muito claro.

Mas está sempre trabalhando.

Sem passar pelo Rio Grande do Sul nos últimos dias, Dilma foi poupada da notícia de que o exmarido, amigo e confidente Carlos Araújo teve uma recaída do enfisema pulmonar e ficou hospitalizado até sexta-feira. Carlos disse ao GLOBO que ele e a filha Paula têm conversado com Dilma, por telefone, para transmitir força, evitando preocupá-la: Ela não sabe que estou doente. Eu e a Paula temos falado só coisas boas, para passar confiança. Ela ficou baqueada no primeiro turno, mas agora está animada. Não sei se não vai ficar abalada com a morte do Néstor Kirchner, os dois eram amigos.

Se ganhar a eleição hoje, Dilma deve descansar 10 dias no Rio Grande do Sul. Mas em sua casa, em Porto Alegre. Vai procurar um lugar onde possa ter um pouco de privacidade depois de quase um ano de superexposição.

Qual o energético que me leva para cima? A energia vem a cada vez que me abraçam

Dilma Rousseff