Título: Avia! Hoje vai ter arenga entre o Serra e a Dilma
Autor: Remígio, Marcelo
Fonte: O Globo, 31/10/2010, O País, p. 37

Poetas da Academia Brasileira de Literatura de Cordel contam, em versos, o perfil dos candidatos que disputam a Presidência da República

Leia em voz alta e capriche na entonação da rima: Atenção meus amigos/ hoje o dia é de eleição/ a cadeira de Lula/ dois candidatos disputarão/ tem um homem e uma mulher/ basta o eleitor escolher/ o voto é um direito/ que o cidadão precisa exercer.

É nesta cadência das estrofes da literatura de cordel que O GLOBO apresenta um perfil bem brasileiro dos candidatos à Presidência da República Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB). As estrofes foram feitos pelos poetas Gonçalo Ferreira da Silva e João Batista Mello que, munidos de velhas máquinas de escrever, criaram versos para contar um pouco da vida da petista e do tucano. Dilma e Serra não inspiraram apenas rimas: eles ganharam formas na xilografia, técnica de ilustração que estampa as capas dos livretos de cordel, por meio das mãos do artista plástico Everaldo .

O cordel fala menos com o cerebral e mais com o emocional.

É envolvente, uma literatura oral que ganhou espaço em outras mídias como a internet, a TV e o rádio. É uma forma cantada e rimada de ver e dizer o que acontece diz o especialista em literatura de cordel Gilmar de Carvalho, professor do curso de mestrado em História da Universidade Federal do Ceará.

Gilmar é um dos defensores da tradição do cordel. Há 30 anos estudando o estilo, ele diz que, ao longo das décadas, a literatura foi sendo classificada como folclore. Para o especialista, o verdadeiro cordel não é o da internet, mas o espontâneo, aquele dos livros impressos de maneira rudimentar e que são colocados para a venda pendurados em varais nas feiras.

Dos estados nordestinos para o restante do Brasil Identificado com o Nordeste, o cordel foi herdado dos colonos portugueses e hoje tem seguidores em todo o país. Mas é no Rio onde os principais nomes da literatura popular se encontram, pelo menos, uma vez por ano. A cidade abriga no bairro de Santa Teresa conhecido por sua veia cultural a sede da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC).

São 40 cadeiras e m h o m e n a gem aos poetas que fizeram história e um acervo de mais de 13 mil títulos.

Hoje temos a maior coleção de cordel do país.

Além dos títulos, há livros brasileiros e estrangeiros sobre a literatura. Dizem que em Berlim, na Alemanha, tem uma bi-blioteca com 25 mil histórias de cordel, mas não co-nheço nin-guém que viu.

Aqui, na Academia, o acervo está à disposição afirma o presidente da ABLC, Gonçalo Ferreira da Silva, 73 anos.

Cearense da cidade Ipu, o poeta Gonçalo é autor de 200 cordéis e seis livros. Seus versos, contados em páginas de livretos, recebem nova roupagem ao serem musicados por sua mulher, a conterrânea Maria do Livramento Lima da Silva, 50 anos. Dona Mena, como é conhecida entre os cordelistas, e seu violão se apresentam no Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, no bairro carioca de São Cristóvão, todos os fins de semana.

Reduto nordestino, a Feira de São Cristóvão reúne cordelistas e repentistas, que mantém a tradição da literatura popular.

A Feita de São Cristóvão é o lugar onde os nordestinos vão reavivar suas referências, matar as saudades, preservar a cultura diz Gilmar de Carvalho.

Políticos: inspiração para a literatura de cordel No ranking dos assuntos mais explorados pelo cordel, a política não chega a liderar. Mas quando o assunto é inspiração, garantem poetas e xilógrafos, os políticos são os eleitos, e com larga margem de votos.

Ao mesmo tempo que as vezes a gente tem raiva da política, é nela que ainda depositamos a esperança de que um dia tudo vai melhorar. Um novo governo significa anseio de melhora. Sem contar que há políticos que rendem um bom traço diz o xilógrafo Erivaldo Ferreira, 45 anos, filho do cordelista Expedito F. Silva.

Morador em Engenheiro Pedreira, bairro de Japeri, na Baixada Fluminense, Erivaldo mantém a tradição dos cordelistas de imprimir figuras com em xilografia.

Os desenhos são talhados em pedaços de madeira segundo Erivaldo, a única evolução foi a mudança de material: compensados de material reciclado substituem a madeira de lei, como forma de preservar o meio ambiente. A matriz, que recebe tinta de impressão, é colocada em uma prensa, onde são impressas as folhas.

Erivaldo começou a desenhar aos 15 anos. Ao conviver com poetas de cordel, aprendeu a técnica da gravura e passou a estampar os livros do pai. Hoje, ele figura entre os xilógrafos mais procurados por autores de cordel.