Título: A campanha passa, os escândalos ficam
Autor: Carvalho, Jailton de; Fabrini, Fábio
Fonte: O Globo, 31/10/2010, O País, p. 40

Se Dilma for eleita, governo ainda ficará às voltas com casos como o da quebra de sigilo de tucanos e de tráfico de influência da ex-ministra Erenice Guerra

BRASÍLIA. As eleições presidenciais terminam hoje, mas as investigações sobre a quebra de sigilo fiscal de tucanos ligados ao candidato José Serra (PSDB) e o suposto tráfico de influência da ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra, dois dos principais escândalos da campanha, continuam e poderão trazer problemas ao governo em caso de vitória de Dilma Rousseff (PT).

Os procuradores da República Robalinho Cavalcanti e Vinícius Fermino deverão pedir que a Polícia Federal aprofunde a apuração sobre a quebra de sigilo para saber se houve uso político das informações. Na semana passada, a PF informou que o caso estava praticamente esclarecido.

As declarações fiscais do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas, e outros tucanos foram encomendadas pelo jornalista Amaury Ribeiro Júnior, em setembro e outubro de 2009, no período em que ele trabalhava para o jornal Estado de Minas. Amaury disse que começou a apurar para se contrapor a uma investigação de um suposto grupo do deputado Marcelo Itagiba (PSDB-RJ) contra o ex-governador de Minas Gerais, Aécio Neves. Em abril deste ano, Amaury foi chamado para trabalhar na pré-campanha de Dilma Rousseff. Mas o procurador Cavalcanti não está convencido.

Não acho que o caso está 99% esclarecido. Agora é que chegou na parte mais difícil da investigação. É preciso descobrir os motivos do crime. É preciso saber quem pagou e por que pagou (pela quebra do sigilo).

Nenhuma das pontas deixará de ser investigada disse.

O procurador argumenta que a polícia deve fechar o ciclo da investigação que teve, como um dos pontos de partida, a acusação de tucanos contra integrantes da campanha de Dilma Rousseff.

Segundo Eduardo Jorge, as informações seriam usadas contra Serra. Cavalcanti afirma que essas questões terão que ser respondidas mesmo que o inquérito tenha que ser prorrogado novamente.

O diretor da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, sustenta que a polícia já investiga se pessoas acima de Amaury encomendaram os dados fiscais de Eduardo Jorge. Mas argumenta que motivações políticas só teriam importância se tivessem ligação direta com o vazamento dos dados sigilosos.

O uso político é irrelevante, se não tem um elo com o tipo penal, que é pagar para obter os dados fiscais disse Corrêa.

Na quarta-feira, o delegado Hugo Uruguai, à frente do inquérito sobre a quebra de sigilo, deverá ouvir o diretor do Estado de Minas, Josemar Gimenez. Até o momento, a PF já tomou mais de 50 depoimentos no caso da quebra de sigilo. E interrogou mais de 30 pessoas nas investigações sobre Erenice Guerra, ex-ministra da Casa Civil e ex-braço direito de Dilma Rousseff. Peritos analisam os arquivos dos computadores de Erenice e outros assessores da Casa Civil acusados de tráfico de influência.

A partir do resultado da análise, a polícia deverá pedir quebra do sigilo telefônico dos investigados.

Se depender dos aliados de Serra e Dilma, a ressaca das eleições vai se estender pelo próximo governo. Quem estiver na oposição pretende levar os escândalos da campanha para o Congresso. Caso chegue ao Planalto, a petista terá uma oposição reduzida, que terá dificuldades para criar comissões parlamentares de inquérito (CPIs).

Para o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), líder da minoria na Câmara, os aliados de Serra teriam de contar com momentos de insatisfação da base para ganhar adesões e obter vitórias nas duas casas.

Se ganha a Dilma, politicamente, a oposição está dizimada.

Pela primeira vez, não terá número suficiente para uma CPI constata, admitindo que, no cenário oposto, o bloco liderado pelo PT teria mais facilidade para emparedar Serra no Congresso.

Embora tenham crescido as bancadas dos chamados partidos da fisiologia que hoje estão na base de Lula, mas que aderem ao governo a despeito da tinta ideológica , Serra levaria algum tempo para construir maioria. O PT e seus aliados históricos (PSB, PDT e PCdoB) elegeram 165 deputados e 23 senadores, mas contariam com setores dos demais partidos.

O senador Álvaro Dias (PSDBPR) diz que uma CPI sobre os escândalos do dossiê e da Casa Civil poderia chegar atrasada, pois já estão em curso apurações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal: Nosso papel será mais o de fiscalizar esse trabalho. Se houver inércia, aí sim, é o caso de discutir CPI.

Fortalecido pelo crescimento de suas bancadas e por sua base sindical, o PT fala em CPI até mesmo antes da posse do próximo presidente. Tem até justificativa para levar ao Congresso investigações sobre o engenheiro Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, ex-diretor da Dersa suspeito de montar um esquema clandestino de arrecadação no governo de Serra em São Paulo; e o Metrô paulistano, cuja licitação para as obras da linha 5-lilás foi suspensa por desconfiança de acerto de preço entre os concorrentes.

Eles nunca foram investigados por CPI em São Paulo.

Há verbas federais envolvidas avisa o secretário de Comunicação do PT, André Vargas.

Os aliados de Dilma falam em aprofundar apurações de Amaury sobre as privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso.

Há muita coisa escondida nesse entulho. É necessária essa discussão, a bem do interesse público diz o líder do PT na Câmara, Fernando Ferro (PE).