Título: Legião estrangeira no pré-sal
Autor: Bôas, Bruno Villas
Fonte: O Globo, 31/10/2010, Economia, p. 51

Importados devem responder por 60% dos investimentos de US$ 400 bi do setor

Um estudo encomendado pela Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip) concluiu que as empresas estrangeiras devem ficar com US$ 240 bilhões das encomendas de US$ 400 bilhões que o setor de petróleo vai realizar no pré-sal nos próximos dez anos, o que representa 60% dos investimentos previstos no período. Bens e serviços para plataformas e sondas serão fornecidos basicamente por empresas de países como EUA, Noruega e China. O estudo da consultoria Booz & Company, que teve acesso ao cadastro de fornecedores da Petrobras e durante oito meses fez uma radiografia do mercado, coloca em xeque estatísticas do governo federal sobre o setor, que apontam para uma participação de 61,4% da indústria brasileira em projetos de exploração e produção de petróleo. Mesmo a estatística oficial, no entanto, tem encolhido: essa é a menor participação dos últimos seis anos.

O resultado do estudo da Booz foi apresentado ao mercado em agosto, mas o cálculo sobre a presença estrangeira no pré-sal foi excluído do relatório final. O anúncio do estudo foi feito a menos de dois meses do primeiro turno das eleições presidenciais.

A alegação (para não divulgar) foi que as projeções tinham muitas variáveis e não poderiam ser consideradas afirmou uma fonte.

Segundo José Velloso, vice-presidente da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), os números são preocupantes porque revelam uma nova estatística, completamente diferente da informada oficialmente pelo governo federal: O risco do pré-sal é ser abastecido por estrangeiros afirma Velloso.

Para o consultor Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), os números oficiais mascaram a necessidade de adoção de incentivos para o setor.

Não poderia ser verdade que o conteúdo nacional avançou para 60% ou 70% da noite para o dia. O governo está politizando o processo e criando factoides. É preciso tirar o pré-sal do palanque afirma o consultor.

Equipamento nacional custa até 200% mais

Especialistas que tiveram acesso ao modelo de cálculo do conteúdo nacional do governo explicam que há distorções nas contas. Equipamentos estrangeiros sem similar nacional, por exemplo, são excluídos das estatísticas, aumentando a participação da indústria nacional. E serviços que só podem ser realizados por empresas instaladas no país, como movimentação de plataformas, entram na conta oficial.

O governo considera como produto local um equipamento que tenha 60% de peças nacionais.

É um critério do BNDES, para crédito, e que aplicam no cálculo diz Alberto Machado, ex-gerente de materiais da Petrobras.

Pelos cálculos da consultoria, empresas brasileiras podem, no melhor cenário, fornecer metade dos equipamentos e serviços que o présal vai demandar até 2020, o que aumentaria para US$ 200 bilhões a parcela da indústria local. Mas para que isso de fato aconteça, o setor precisaria eliminar gargalos e ser mais competitivo em equipamentos como compressores de ar, válvulas de controle, motores a diesel e gás e sistemas de automação.

Segundo José Velloso, da Abimaq, os programas do governo têm sido bem-sucedidos na formação de mão de obra, mas fracassaram na atração de fornecedores estrangeiros para a instalação de fábricas no país: A legislação incentiva a importação.

Estrangeiros não pagam impostos quando vendem para a Petrobras, mas os nacionais pagam tributos federais sobre seus insumos, embora não paguem na venda à companhia.

Ele acrescenta que uma série de fatores minam a competitividade dos fornecedores, como a carga tributária, maior custo da mão de obra, juros elevados e pouco incentivo para investir em tecnologias. O resultado é que os equipamentos nacionais custam de 10% a 40% a mais que um similar importado. No caso de válvulas, por exemplo, o produto nacional chega a ser o triplo de um equivalente importado da China.

Em nota, a Petrobras afirma que a queda de participação da indústria local em seus projetos de exploração e produção de petróleo, que recuou 68,75% em 2007 para 61,4% neste primeiro semestre, decorre da mudança de perfil de contratação de sondas, navios usadas para localizar petróleo e perfurar poços. E reconheceu que esse percentual deve permanecer em patamares modestos até a entrada em operação de 28 sondas que serão construídas no Brasil.