Título: Uma crise no dólar seria catastrófica
Autor: Beck, Martha; Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 14/11/2010, Economia, p. 36

Analista apoia BC americano e diz que cabe aos outros agir, mas refuta guerra cambial

ENTREVISTA Antulio Bomfim

O economista Antulio Bomfim, especialista em Federal Reserve (Fed, o banco central americano), com passagem de 11 anos pelo setor de pesquisa da instituição, vê um paradoxo nas críticas à atuação do Fed.

Para ele, a injeção de US$ 600 bilhões é modesta para as necessidades dos EUA, mas o Fed foi criticado por ter sido agressivo.

Aos descontentes, ele sugere que troquem as queixas por ações independentes de seus bancos centrais. Nascido no Brasil, formado nos EUA e na Inglaterra, Bomfim tem um recado simples: ¿Cada país tem a capacidade de ter sua própria política monetária¿.

Ele teme a guerra cambial e espera que o dólar não perca o papel de moeda de reserva mundial.

Fernanda Godoy Correspondente ¿ NOVA YORK

O GLOBO: Como o senhor avalia a injeção de US$ 600 bilhões na economia americana pelo Fed e as reações à medida? ANTULIO BOMFIM: Em relação à reação estrangeira, inclusive a brasileira, o problema é o seguinte: o Fed é o banco central dos EUA, portanto, sua missão é conduzir a política monetária adequada para o país. Nos EUA, a política do dólar pertence ao Tesouro, não ao Fed. O Fed não procura desvalorizar o dólar. O fato de o dólar ter perdido valor é simplesmente um efeito colateral da política monetária. Quando o Fed decide pelo afrouxamento monetário, como isso se traduz em estímulo à economia? Primeiro, a redução da taxa de juros estimula o investimento; com isso os preços dos ativos sobem, há um efeito riqueza, que também estimula o consumo e o investimento. E aí há uma desvalorização do dólar, que estimula a exportações. Mas são efeitos colaterais. O Fed não tem uma meta para o valor do dólar.

O Fed não atua para garantir a estabilidade da cotação? BOMFIM: Não. O Fed não intervém no mercado de reservas.

Qualquer banco central que intervenha, comprando ou vendendo reservas, tem, mesmo que implicitamente, uma meta para o valor de sua moeda.

Os US$ 600 bilhões serão suficientes para reanimar a economia americana? BOMFIM: O que o Fed fez (os US$ 600 bilhões), na verdade, foi uma política mais cautelosa que o esperado. Esperávamos que as compras fossem feitas num ritmo de US$ 100 bilhões por mês.

O ritmo do Fed será de US$ 75 bilhões. Além do mais, a capacidade dessa compra de ativos em estimular a economia americana é relativamente limitada.

Por nossas contas, mesmo que o Fed botasse US$ 2 trilhões, resultaria em um crescimento de um ponto percentual no PIB (Produto Interno Bruto) dos próximos dois anos. Por isso, nossa expectativa é que esses US$ 600 bilhões sejam apenas uma entrada.

Esse é o paradoxo: o que o Fed fez é bastante modesto, mas recebeu um volume de críticas muito alto, como se tivesse sido agressivo.

Há propostas de substituir o dólar por uma cesta de moedas.

O que o senhor acha? BOMFIM: Há uma grande diferença entre um enfraquecimento do dólar, que é o que vimos até agora, e uma queda brusca, que ainda não ocorreu.

Não vejo o dólar entrando em queda livre. Quanto a substituir o dólar por outra reserva, ou mesmo uma cesta de reservas, o principal candidato naturalmente seria o euro, que também está com problemas. Não vejo como realista a perspectiva de o dólar vir a ser substituído ou de perder seu status de moeda de reserva. Para que isso acontecesse, teria de haver realmente uma crise no dólar, o que seria catastrófico não só para os EUA mas para a economia global.

Há quem diga que uma parte das críticas ao Fed vem de países, sobretudo a China, que acumularam reservas em dólar.

BOMFIM: China e Alemanha são países voltados para a exportação, e é claro que o dólar fraco dificulta a situação deles.

Em resposta, eu diria: cada país tem a capacidade de ter sua própria política monetária. O que o Fed faz afeta o mercado de moedas apenas se os outros bancos centrais não fazem nada.

Cada país tem de ter uma política monetária condizente com sua conjuntura econômica.

Mas isso não seria a entrada dos BCs na guerra cambial? BOMFIM: Esperemos que uma guerra cambial não se torne realidade, pois traria muitos danos à economia global. Esperemos que os bancos centrais continuem com foco nas suas políticas monetárias.

A China, por exemplo, tem uma taxa cambial fixa. Quando você faz isso, está adotando a política monetária dos EUA. A política monetária dos EUA atualmente é apropriada para a China? Não. EUA e a China têm economias muito diferentes.