Título: Lenta agonia
Autor: Pinto, Almir Pazzianotto
Fonte: Correio Braziliense, 14/07/2009, Opinião, p. 17

Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho

Infindáveis remendos à Constituição sugerem que não terá vida longa e, ao contrário do ocorrido com a Carta Imperial de 1824 e a Constituição de 1894, abatidas em movimentos revolucionários, um dia destes morrerá de maneira inglória na cama, após lenta agonia. Poderosa contribuição para o funeral da Lei Superior dá o deputado Regis de Oliveira, autor e primeiro subscritor da Emenda nº 341, que, conforme está na ementa, ¿modifica os dispositivos constitucionais retirando do texto matéria que não é constitucional¿, a esta altura com substitutivo do relator, deputado Sérgio Barradas Carneiro.

Na tumultuada história brasileira, pela primeira vez recorre-se à emenda total, destinada a impor Constituição nova, arquitetada e construída no recinto da Câmara dos Deputados, independentemente de assembleia nacional constituinte. Já padecemos sob a Emenda nº 1 à Constituição de 1967, mas em regime de exceção, com o governo ocupado por triunvirato militar integrado pelos ministros do Exército, Marinha e Aeronáutica.

Na surpreendente hipótese de a recente iniciativa vingar, os primitivos 245 artigos (235, acrescidos de 10 Disposições Constitucionais Gerais, e de 70 Disposições Constitucionais Transitórias) serão reduzidos a algo em torno de 70, com uma única disposição transitória que manterá em vigor tudo quanto foi eliminado, até que leis complementares ou ordinárias venham a ser aprovadas, não se sabe quando. Em síntese, muito barulho por nada. O descrédito da sétima Lei Superior deve-se, em boa medida, ao prolixo texto, onde estão presentes normas de caráter corporativista e fartas iniciativas demagogo-populistas, redigidas para fazer o povo acreditar na magia das palavras. Não bastasse, o Congresso, em mais de 50 emendas, conseguiu piorar o que já era ruim, embora mantenha a espera de regulamentação matérias relevantes, como a do direito de greve ao servidor público ¿nos limites de lei específica¿.

Decorridos mais de 20 anos da promulgação, direitos fundamentais permanecem como vagas promessas aos necessitados, como sucede com educação, saúde, segurança, prestação jurisdicional rápida, previsível e convincente, assistência à família, ao idoso e ao menor. A proposta do ilustre deputado Régis de Oliveira, avalizada por notórias ¿assinaturas de corredor¿, esbarra em muitos desafios, um deles consistente na falta de autoridade moral da atual legislatura. A permanência de deputados e senadores seguidamente alvejados por denúncias graves de corrupção, leva-me a crer que matéria relevante alguma deverá ser objeto de deliberação, até conhecermos os resultados das eleições de 2010.

Quando lá chegarmos, uma de duas situações pode se definir. Ou Câmara e Senado recebem arrasadora consagração da opinião pública, com a reeleição de ampla maioria; ou, ocorrerá profunda renovação, sendo remetidos às origens aqueles que traíram os compromissos assumidos com a nação. Na primeira hipótese, os reeleitos terão os atuais mandatos confirmados, mas, ainda assim, não estarão autorizados a mutilar a Constituição e transformá-la de analítica em sintética. Na segunda, abrir-se-á novo capítulo na história do Poder Legislativo, agora comprometido com os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

A história constitucional brasileira é única. Alguém que viva há 75 anos, experimentou seis constituições. Passou pelas de 1934, 1937, 1946, 1967, 1969, 1988 e conheceu variados regimes: ditadura; presidencialismo; parlamentarismo (implantado pelo Ato Adicional de 2 de setembro de 1961, quando Goulart se rendeu aos adversários para assumir a presidência); autoritário (inaugurado com o Ato Institucional de 10 de abril de 1964 e radicalizado pelo de nº 2); a breve Constituição de 1967; o AI-5 e a Emenda nº 1/1969. Após muito sacrifício chegamos à Constituição de 1988, apelidada de ¿a Interminável¿.

O Brasil exige estabilidade jurídica. Sem ela o desenvolvimento sustentado é impossível. Cabe à banda boa do Congresso decidir sobre o que fazer para conquistá-la e mantê-la, sem quebra, porém, do Estado de Direito Democrático. Para isso deputados e senadores foram eleitos, e são bem remunerados. A insólita Emenda 341 é definitiva. Revela o grau de desprestígio ao qual o Executivo, Legislativo e, porque não, o Judiciário, reduziram nossa Constituição Cidadã.