Título: 'Brasil deve apoiar a ONU na pressão ao Irã'
Autor: Saberi, Roxana
Fonte: O Globo, 23/11/2010, O Mundo, p. 35

Para jornalista americana que foi presa em Teerã, Brasília pode ter papel importante na defesa de direitos humanos no país

SÃO PAULO. Presa por cem dias na penitenciária de Evin, no Irã, a jornalista americana Roxana Saberi, de 33 anos, foi acusada de fingir que escrevia um livro para espionar para os EUA. Foi solta em maio de 2009 após intensa pressão internacional. Transformada em ativista pela libertação dos mais de 500 presos políticos do país, está no Brasil para lançar "Entre dois mundos - Minha vida de prisioneira no Irã", editado pela Larousse. Na quinta-feira, Roxana estará na PUC do Rio, para uma palestra sobre a luta pela liberdade de expressão. Ela aplaude as iniciativas de engajamento do Brasil, mas condena a postura de leniência e passividade com o desrespeito aos direitos humanos. "As palavras do Brasil repercutem no Irã, e o país tem a responsabilidade de falar sobre direitos humanos, encorajando-o a trabalhar mais dentro de mecanismos internacionais", diz.

ROXANA SABERI: "As violações são de direitos humanos universais. É um problema para o mundo todo resolver"

Gilberto Scofield Jr.

O Brasil tem uma política de aproximação com Teerã e se absteve em recente votação na ONU de uma resolução condenando o desrespeito a direitos humanos no país. O que a senhora pensa da postura brasileira e como o Irã deve ser tratado pela comunidade internacional?

ROXANA SABERI: Eu não acho que as portas para a negociação devam ser fechadas, porque isso reduz as possibilidades para resoluções pacíficas. E alguns integrantes do governo mais linha-dura gostam de confrontos porque, neles, podem dizer que são os outros que não querem negociar com Teerã e, portanto, podem se eximir de responsabilidades. E eu não gosto da imagem dos iranianos comuns sendo alvos de sanções e cortados do mundo. Espero que, à medida que as conversas avancem a respeito do programa nuclear iraniano, a questão dos direitos humanos passe a ser a grande prioridade da comunidade internacional em relação ao país.

Mas hoje a questão nuclear é o grande problema da comunidade internacional...

ROXANA: Tem sido assim, pelo menos, desde 2003, quando se descobriu um programa nuclear paralelo que ninguém conhecia. Não importa o nível de influência de um país no mundo: quando há violações de direitos humanos, elas precisam ser denunciadas e é preciso pressão internacional sobre isso. Há violações de direitos humanos em vários países, inclusive nos EUA, veja Guantánamo e Abu Ghraib. Mas nem todas as populações podem falar por elas mesmas a respeito das violações a seus direitos. E, neste caso, outros países devem denunciar e pressionar por mudanças. Porque as violações no Irã são a direitos humanos universais, pioradas por enormes brechas nas leis. Então, isso é um problema para o mundo todo resolver.

E o Brasil?

ROXANA: Brasil pode ter um importante papel nesse processo porque tem boas alianças com o Irã. Teerã vê o Brasil como um país que conversa não numa posição de superioridade, mas de igualdade. E é um país que não tem um histórico de interferência em assuntos do Irã. Então, as palavras do Brasil repercutem no Irã, e o país tem a responsabilidade de falar sobre direitos humanos, encorajando-o a trabalhar mais dentro de mecanismos internacionais que garantam princípios de direitos humanos. O país deve apoiar as iniciativas da ONU para pressionar pelo respeito às liberdades e direitos, convencer o Irã a aceitar observadores internacionais que avaliem casos de tortura e liberdade de expressão. É possível fazer isso e manter a boa relação entre Brasília e Teerã, inclusive melhorando a imagem do Brasil junto à comunidade internacional.

A situação piorou com a reeleição de Ahmadinejad?

ROXANA: Definitivamente. Possibilidades de mudanças ficaram muito mais distantes agora, ainda que exista uma enorme parcela da população que não vê problemas em desenvolver o país dentro de um ambiente mais democrático e de mais respeito aos direitos humanos.

O que pensa das chances dos dois americanos alpinistas presos há mais de um ano?

ROXANA: Há sempre muito potencial quando a comunidade internacional se manifesta de forma contundente sobre casos como este. Há gente no governo iraniano para as quais a imagem externa do país é muito importante quando se trata de direitos humanos. Se não fosse, eu não estaria aqui hoje para discutir isso.

Nunca lhe passou pela cabeça que poderia ser presa?

ROXANA: Eu imaginava que estava sendo monitorada e até escrevo isso no livro, porque é assim que o governo iraniano faz com jornalistas estrangeiros, pesquisadores ou ativistas, mas ninguém deixa de fazer nada porque teme ser preso. Eu não estava fazendo nada ilegal. No processo de produção do livro, fui o mais transparente possível. Sabia que outros jornalistas americanos haviam sido presos, mas com trabalhos mais políticos. Outros foram interrogados, como espécie de aviso, para não irem além. Mas muitos americanos de origem iraniana também escreveram livros e nunca tiveram nenhum problema. Então, eu não fazia ideia de que eles me deteriam e me enviariam para a prisão no mesmo dia, sem aviso, sem maiores explicações e sem poder falar com ninguém.

E o que queria o governo iraniano no seu caso, afinal?

ROXANA: Eles chegaram a admitir, em conversas privadas, que o governo não me considerava uma espiã. Talvez tivessem motivações políticas por trás da minha prisão, talvez quisessem me usar contra o governo americano, talvez quisessem me usar para assustar os iranianos que possuem relações com os EUA ou que pregavam mais diálogo com os americanos, porque tudo aconteceu logo depois que o presidente Barack Obama assumiu o governo e começou a pregar alguma aproximação com Teerã. Talvez não quisessem que eu publicasse o livro, talvez quisessem controlar ou assustar as pessoas que conversaram comigo ao longo do processo de produção do livro.