Título: Armas para o câmbio
Autor: Salomão, Luiz Alfredo
Fonte: O Globo, 22/11/2010, Opinião, p. 7

Não importa quais sejam as decisões do G-20 e sua implementação pelas principais economias do mundo. A tendência de valorização do real continuará e poderá até intensificar-se como consequência do enfraquecimento do dólar e de outras moedas, o que está fora do nosso controle. Não há solução milagrosa para os EUA ativarem sua economia sem explodir os déficits gêmeos, assim como para os países europeus corrigirem seus desequilíbrios previdenciários e fiscais sem depreciar suas moedas.

A chamada guerra cambial não é uma luta por mercados, como ocorreu no passado, mas sim o resultado de tentativas descoordenadas de política econômica, para corrigir erros acumulados no passado pelas sociedades desenvolvidas: consumo exacerbado pelo crédito gerado por desregulamentação financeira irresponsável, benefícios sociais não ajustados à evolução demográfica, subsídios agrícolas excessivos etc. Essas tentativas chegaram ao nível do desespero nos EUA.

Diante desse quadro, o Brasil não pode se portar agora como fez até 1999, mantendo a ferro e fogo uma política cambial e monetária que tinha dado resultados, mas era incompatível com a instabilidade provocada pelas crises russa e asiática.

A hora de agir é agora, em que já se registram: queda na produção industrial, pressionada pelo aumento das importações estimuladas pelo câmbio supervalorizado, proximidade da temporada de reajustes sazonais de preços (mensalidades escolares etc.) e tarifas (ônibus, energia etc.), que em todos os inícios de ano pressionam os índices de inflação e justificam a pressão do mercado por maior taxa de juro.

No auge de sua legitimidade, que é o início do mandato, a presidente Dilma pode mostrar que possui duas armas secretas poderosas para enfrentar internamente a guerra cambial.

Em primeiro lugar, completar o processo de estabilização da economia, acabando com todo tipo de indexação de preços e dispositivos de correção monetária automática, contratual ou pactuada. Tal medida vem sendo adiada desde 1995, mas é essencial para consolidar o real como moeda de Primeiro Mundo. Finda a realimentação da inflação, precisaremos de juros menores e, assim, melhorar o câmbio.

A segunda arma contra a apreciação do câmbio consiste em atribuir à política fiscal, em lugar da de taxas de juro, a responsabilidade principal pelo controle da inflação. Ou seja, a taxa de juro básica deixaria de ser a única ferramenta que o governo usa para fazer cumprir as metas de inflação. O governo federal usou magistralmente a política fiscal, em 2009, para evitar a recessão. Por que não continuar adotando-a como principal instrumento para garantir as metas de inflação? Isso, no entanto, terá de ser feito com precisão cirúrgica para não gerar pressões inflacionárias.

LUIZ ALFREDO SALOMÃO é subsecretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.