Título: Um salto na prevenção da Aids
Autor: Jansen, Roberta
Fonte: O Globo, 22/11/2010, O Mundo, p. 25
ONU elogia comentário do Papa sobre camisinha, mas Vaticano diz que nada muda
As declarações do Papa Bento XVI admitindo o uso da camisinha "em certos casos" no contexto da prevenção à Aids foram recebidas como um dos mais significativos avanços no combate à epidemia por especialistas na doença e lideranças políticas e religiosas. Apesar de o Vaticano ontem ter minimizado o impacto das palavras do Pontífice, afirmando que nada mudou em sua política, o movimento foi percebido como crucial, num momento em que o mundo registra 7 mil novas infecções por HIV diariamente. "Trata-se de um significativo e positivo passo à frente", afirmou o diretor executivo do Programa de Aids das Nações Unidas (Unaids), Michel Sidibé, em comunicado.
- Eu diria que é um salto à frente - comemorou o diretor do escritório central do Unaids, em Genebra, Luiz Loures, em entrevista por telefone. - A nova posição abre uma brecha fundamental para a expansão dos programas de prevenção. Hoje, a grande bandeira da prevenção da Aids não é buscar um conhecimento novo, mas sim fazer o que já fazemos de forma ainda mais eficaz. E a declaração do Papa abre caminho nessa direção. É uma notícia que pode adquirir um caráter revolucionário.
A opinião é compartilhada pelo padre Antoine Lion, fundador da associação francesa "Cristãos e Aids". Para ele, as palavras do Papa abrem uma brecha na doutrina da Igreja que, tradicionalmente, sempre se opôs ao uso do preservativo:
- Algumas posições que prejudicaram gravemente os esforços de prevenção dos próprios cristãos perdem sua legitimidade.
O porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, no entanto, disse que as declarações do Pontífice não são "revolucionárias". "As palavras do Papa não reformam ou alteram os ensinamentos da Igreja", informou em comunicado.
Em entrevistas concedidas para o livro "Luz do mundo: o Papa, a Igreja e os sinais dos tempos", Bento XVI frisou não acreditar que o preservativo seja uma resposta para a pandemia. Mas afirmou que o seu uso poderia ser justificado em alguns casos excepcionais - citando, inclusive, o exemplo da prostituição - para impedir a disseminação da doença. Entre especialistas em religião, há um debate sobre se o Papa teria se referido à prostituição de forma genérica ou apenas à prostituição masculina, mas o Vaticano não entrou no mérito.
- De qualquer forma, um aspecto importante da declaração é o reconhecimento de que o preservativo tem um papel importante na prevenção da Aids e, principalmente, entre pessoas de maior risco - sustentou Loures. - Outro aspecto é a própria liderança do Papa. No momento em que ele, com a autoridade que tem, se posiciona, isso tem um impacto na mobilização de outras lideranças.
No Brasil, esperança de ampliar parceria
A opinião é compartilhada por líderes da própria Igreja que lidam de perto com o problema, como o padre Peter Makome, do Zimbábue, um dos países mais afetados pela epidemia.
- Tenho irmãos, irmãs e amigos que sofrem de Aids por não praticarem sexo seguro - afirmou Makome. - Agora, veio a mensagem de que eles podem ir em frente e fazer sexo seguro; é muito melhor para todo mundo.
No Brasil, as palavras do Papa também foram recebidas com entusiasmo. O diretor-adjunto do Programa de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Eduardo Barbosa, as considerou um avanço significativo. Para ele, as declarações podem contribuir para que sejam quebradas barreiras entre os católicos que tenham posição menos flexível sobre o tema.
Barbosa lembrou que, no Brasil, o programa de Aids tem uma parceria importante com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e com a Pastoral da Aids:
- A Igreja Católica já é parceira numa série de frentes e a perspectiva agora é de ampliar esse trabalho.
(*)Colaborou Evandro Éboli, de Brasília