Título: Greve historica para Portugal
Autor: Cunha , Simone
Fonte: O Globo, 25/11/2010, Economia, p. 29

Segundo sindicatos, 3 milhões cruzam os braços em protesto contra medidas de austeridad

Dos três empregos em que trabalha, Maria Lucilia Cardoso, de 56 anos, só conseguiu chegar a um ontem por causa da greve geral em Portugal. A funcionária de limpeza teve de esperar das 14h às 16h para pegar o trem de volta para casa e, cansada, desabafava que só queria chegar em casa. A paralisação de grande parte dos transportes públicos foi um dos resultados da primeira greve a juntar as duas maiores centrais sindicais do país em 22 anos. Mais de três milhões de trabalhadores pararam, segundo a União Geral dos Trabalhadores (UGT, mais próxima ao governo socialista) e a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP, ligada ao Partido Comunista). A população ativa é de 5,6 milhões de pessoas.

¿ É, sem sombra de dúvida, a greve geral com mais impacto que já realizamos até hoje ¿ disse Manuel Carvalho da Silva, secretário-geral da CGTP.

Pela manhã, o governo afirmou que houve baixa adesão no setor privado. A ministra do Trabalho, Helena André, disse que apenas 20% dos funcionários públicos pararam. O alvo dos protestos eram os cortes de gastos anunciados pelo governo por causa da crise econômica, como o congelamento dos salários do funcionalismo, a redução dos benefícios sociais e o aumento de impostos. Depois do socorro de 85 bilhões à Irlanda, os mercados apostam que Portugal pode ser o próximo país a pedir ajuda externa, por causa de seu elevado endividamento.

Maria Lucilia, que vive na Região Metropolitana de Lisboa, deveria estar às 6h30m no trabalho, mas só às 8h conseguiu pegar o trem. Ao sair, teve de caminhar três quilômetros para voltar à estação ferroviária do Rossio, no Centro. Sua amiga Odete Almeida também levou duas horas a mais em cada percurso.

Em Lisboa, o metrô não funcionou, o número de trens foi reduzido e os barcos praticamente pararam. No Porto, só uma das linhas de metrô funcionou. Os aeroportos portugueses fecharam já na noite de terça-feira, devido à greve dos controladores de voo. Ontem só partiram três voos, para as ilhas. Segundo o jornal espanhol ¿El País¿, dos 53 voos entre Espanha e Portugal, 43 foram cancelados.

A estudante Maria do Carmo Salgueiro Pinto Antunes, de 21 anos, que sempre vai de metrô para a faculdade, teve de recorrer à carona:

¿ Não tive aula porque muitos professores aderiram, mas precisava ir.

Segundo os sindicatos, a coleta de lixo foi suspensa e em muitos hospitais só a emergência funcionou. Os correios pararam e as forças de segurança pública ¿ que não podem fazer greve ¿ anunciaram que não dariam multas, só conselhos. A EDP garantiu os serviços mínimos de produção e distribuição de energia.

Na fábrica da Volkswagen Autoeuropa, maior investimento estrangeiro em Portugal, com 3.600 funcionários, a produção, de 500 veículos por dia, parou. A CGTP divulgou adesão de 100% em empresas de cerâmica, cimento, revestimento, vidros e alimentos.

Cresce movimento de trabalhadores precários

Se quem tem emprego teme os efeitos das medidas de austeridade, as perspectivas são bem mais desanimadoras para os chamados trabalhadores precários, situação vivida por 23% dos portugueses. A solução encontrada por esse grupo ¿ formado por jovens com nível superior que amargam contratos temporários, sem os benefícios da Previdência ¿ foi a união.

¿ Os sindicatos não têm estrutura para reconhecer os precários, mas é muito importante que reconheçam esse tipo de trabalhador e possam recebê-lo ¿ afirma Sara Maria Silvestre Rocha, de 27 anos, ativista do grupo Precários Inflexíveis.

O grupo reúne de funcionários de call center a jornalistas, arquitetos e professores. Sara, por exemplo, é engenheira florestal por formação mas há dois anos trabalha como desenhista técnica em contratos temporários.

Uma greve geral como a de ontem é uma oportunidade de aproximação com os sindicatos. Graças aos precários, a paralisação no call center da Portugal Telecom foi de 85%.

¿ Fazemos questão de nos juntar, assim somos ouvidos por quem sabe se mobilizar, ganhamos força ¿ diz Sara, contando que o próximo passo do grupo, cujas ações incluem a entrega de ¿prêmios¿ a empresas e políticos que estimulam a precariedade trabalhista, é tornar-se uma associação.

Na União Europeia (UE), em número de trabalhadores temporários, Portugal só está atrás de Espanha (24,9%) e Polônia (27,1%), segundo a agência de estatísticas Eurostat.