Título: O problema do Enem
Autor: Werneck , Vera Rudge
Fonte: O Globo, 25/11/2010, Opiniao, p. 7

A maior dificuldade do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) não está no seu processo de aplicação, mas no próprio princípio que o determina: a uniformidade de avaliação num mundo multicultural. São inúmeras as definições de ciência e de conhecimento científico. Todas, de algum ponto de vista, podem ser consideradas como válidas. É possível, no entanto, perceber, que, apesar das divergências, em linhas gerais referem-se sempre a um conhecimento sistematizado que, de algum modo, procura compreender as causas dos fenômenos para a construção de sistemas explicativos do real.

Uma das finalidades do ensino médio (artigo 35, inciso III da LDB 9394/20/12/96) é ¿o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico¿. Deve-se despertar o espírito de pesquisa, de criatividade e de iniciativa para a utilização do conhecimento científico. Não cabe o condicionamento a uma única visão de ciência, respostas consideradas ¿certas¿ sem que possam ser contestadas.

Com as atuais distorções que ocorrem com o Enem, o ensino médio não mais pode dedicar-se a desenvolver as capacidades do aluno, a transmitir-lhe o espírito científico, mas deve limitar-se a treiná-lo para responder às questões do Exame. Para esse fim, precisa multiplicar a aplicação de simulados e direcionar suas aulas para satisfazer a um modelo de cobrança instituído como ¿único¿ e ¿certo¿, contrariando o estímulo à capacidade de observação, o espírito de pesquisa, o conhecimento da metodologia científica como postura que previne contra o cientificismo.

O conhecimento científico pode ser constituído de muitos ângulos. É elucidativa a comparação com uma aula de desenho, em que os alunos postados em círculo copiem um modelo situado no centro da sala. Fatalmente, todos os desenhos serão diferentes, já que cada um focalizaria do seu ângulo de visão.

Seguindo essa linha de raciocínio, quanto mais autonomia as universidades tiverem para estabelecer seus critérios de seleção de alunos, melhor. Não se pode, por outro lado, classificar universidades como melhores ou piores de acordo com o lugar onde se situam. Há excelentes universidades em todo o país. Não é justo estigmatizar como inferior o ensino de certas regiões do Brasil.

O bom aluno de qualquer região muito pode contribuir ficando no seu lugar de origem. Respeitada a sua liberdade, não há por que estimulá-lo a migrar. Do mesmo modo, não se pode classificar o ensino no exterior como sendo sempre ¿superior¿ ao nacional. O que varia é a condição econômica. Boas condições materiais não determinam, mas facilitam a aprendizagem. Cabe ao governo igualar as condições de toda a rede de ensino do país, e não aceitar a desigualdade como normal e imutável.

VERA RUDGE WERNECK é professora