Título: G-20 e os limites do possível
Autor:
Fonte: O Globo, 13/11/2010, Opinião, p. 6

Até a eclosão da crise financeira mundial, deflagrada a partir do mercado de hipotecas americano, no final de 2008, o mundo parecia conformado a se sustentar num tripé, no qual os Estados Unidos eram o shopping; a China, a fábrica; e a Índia, o call center. A imagem, simplificadora como toda imagem, retratava um arranjo em que os americanos consumiam com avidez crescente por meio de endividamento, numa ciranda na qual os déficits americanos ¿ no comércio exterior e orçamentários ¿ eram financiados pelos chineses, com seus elevados superávits comerciais. Os dólares de Pequim, obtidos em grande parte com exportações para os Estados Unidos, voltavam para ser aplicados em títulos americanos, realimentando a roda.

A virtual quebra no sistema bancário americano, com ondas sísmicas graves propagadas para mercados financeiros ao redor do planeta, mergulhou o mundo em recessão, com destaque para os Estados Unidos. Forçados a reduzir o déficit comercial externo, de preferência pelo aumento das exportações, como forma de movimentar uma economia em marcha lenta, os americanos quebraram aquele arranjo e passaram a pressionar de maneira mais forte a China para que abandone a política de câmbio artificialmente desvalorizado ¿ incentivo forte às exportações.

Não poderia mesmo durar muito tempo um modelo de crescimento em que o papel preponderante de exportador cabia quase exclusivamente à China e a economias menores asiáticas, e o de importador, aos Estados Unidos. A casa caiu.

Com este pano de fundo, ocorreu a reunião do G-20, das economias mais desenvolvidas do mundo, quinta e sexta em Seul.

E, diante das circunstâncias, a cúpula não foi um fracasso. Ao contrário. O fato de os 20 mandatários, à frente deles o americano Barack Obama e o chinês Hu Jintao, terem concluído que precisam se entender a fim de conter ¿grandes e persistentes desequilíbrios¿ já é um avanço, diante da iminência de uma guerra comercial, deflagrada pelo conflito cambial em curso ¿ economias buscando evitar ao máximo a valorização de suas moedas, antes de partir para medidas protecionistas abertas, último passo para o mergulho do mundo na depressão, como na década de 30. Se os americanos não conseguiram emplacar limites para déficits e superávits em percentual do PIB, ao menos concordou-se com que o Fundo Monetário (FMI), até junho de 2011, crie um sistema de identificação destes ¿persistentes desequilíbrios¿. O material servirá para balizar a próxima reunião do G-20, convocada para voltar a tratar do problema no ano que vem. Outro evento importante em toda esta negociação será a visita do presidente Hu Jintao a Washington, em janeiro.

Os ares de Seul fizeram bem ao presidente Lula. Ele deixou de criticar apenas os Estados Unidos, e demonstrou entender, afinal, que a China, ao manter muito desvalorizado o yuan, é sócia importante da crise.

Os americanos, por sua vez, têm razões prementes para desvalorizar o dólar por meio da injeção de bilhões no mundo: o desemprego continua alto e a economia, anêmica.

O oposto da China.

É vital que o G-20 não perca a perspectiva de que o sistema de flutuação das moedas é objetivo a ser perseguido

Haja o que houver, o sistema de flutuação de moedas deve ser revigorado