Título: Horror no sistema penitenciário
Autor:
Fonte: O Globo, 13/11/2010, Opinião, p. 6

Presos do Complexo Penitenciário de Pedrinhas se amotinam, tomam funcionários e agentes de segurança como reféns e, por 27 horas, mantêm o presídio sob o domínio do terror. A revolta custou a vida de 18 detentos, três dos quais decapitados pelos rebelados. Um dia depois, quatro internos da Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa são mortos numa rebelião em que também seis funcionários viram reféns. O primeiro motim ocorreu no início da semana em São Luís (MA), numa prisão onde 375 pessoas cumprem pena num espaço destinado a alojar 250; o segundo, em Manaus (AM), numa unidade com capacidade para 104 presos e que abriga 828 detentos à espera de julgamento.

Nos dois episódios estão praticamente todos os ingredientes comuns ao sistema penitenciário do país, um caldeirão em ebulição com constantes picos de explosão. Nas ca deias do Maranhão e do Amazonas, tanto quanto em unidades prisionais de Rio, São Paulo e outros estados, consolida-se com crescentes motivos de preocupação um quadro em que a superlotação das celas, uma tíbia política oficial de reabilitação, maus-tratos, corrupção funcional e subjugação da população de internos por facções do crime organizado armam uma bomba-relógio prestes a ser detonada. E não são poucos os sinais, captados invariavelmente através de cenas de horror (como a decapitação de presos em Manaus), de que do portão dos presídios para dentro vive-se uma realidade em que se vislumbra o colapso total, com potencial de desastre social de proporções imprevisíveis.

Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), a população carcerária do país no primeiro semestre deste ano bateu na casa dos 473,6 mil. Entre 1995 e 2005, o número de presos saltou de pouco mais de 148 mil pessoas para 361 mil, um crescimento de quase 144%. A partir de 2005, a taxa de encarceramento anual caiu para cerca de 5% a 7%, mas ainda assim consagrou, até o fim de 2009, um aumento em torno de 31%.

É uma curva que esteve longe de ser acompanhada pelo ritmo de criação de vagas no sistema prisional, hoje com um déficit de quase 195 mil. Tal disparidade ajuda a entender por que as penitenciárias brasileiras são filiais do inferno ¿ uma imagem que se tornaria ainda mais dantesca se fossem obe cadecidos todos os mandados de prisão não cumpridos no país (em número equivalente ao total de presos). A isso se junta outra ponta do problema: a evidência de que os presídios, em vez de cumprirem a função precípua de ressocializar presos, funcionam como verdadeiras universidades do crime, ¿doutorando¿ mais bandidos do que recuperando cidadãos.

É ponto pacífico que a política penitenciária faz parte de um conjunto que tem por objetivo a segurança da sociedade. Prender mais equivale a tornar mais consistentes as ações de combate à criminalidade ¿ mas como prender se não há presídios em quantidade, e em condições, suficiente para a demanda? Esta é a equação que o poder público precisa resolver urgentemente.

Os gritos de horror das penitenciárias são um aviso tenebroso demais para não serem ouvidos.

Como prender mais se os presídios não atendem às demandas?