Título: O Brasil e o G-20 :: Paulo Nogueira
Autor: Batista Jr., Paulo Nogueira
Fonte: O Globo, 13/11/2010, Opinião, p. 7

Estou na Coreia para a reunião de cúpula do G-20. O tema central do encontro, que terminou ontem, foi a famosa guerra cambial, mote lançado pelo ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega, no final de setembro.

O problema está se tornando agudo, principalmente depois da nova rodada de expansão monetária anunciada pelo Fed, o banco central dos EUA. Mas é muito difícil chegar a um acordo substantivo sobre o tema no âmbito do G20. O máximo que se consegue é produzir planos de ação conjunta e comunicados relativamente vagos.

Os EUA não têm a menor intenção de subordinar a sua política econômica a considerações de ordem internacional.

Ao contrário, as decisões americanas são orientadas rigorosamente pelos interesses e prioridades nacionais. Assim como o Banco Central do Brasil, o Fed também publica as atas das reuniões de política monetária. A última ata do Copom de lá (o ¿ Federal Open Market Committee¿) não faz qualquer referência aos efeitos internacionais das suas decisões. Nada. Nenhuma linha, nem a mais remota referência.

Ainda que não queiram admitir, os EUA estão buscando uma depreciação do dólar. A política fiscal está imobilizada por um impasse politico, agravado pela recente derrota dos democratas nas eleições congressuais. O governo Obama não vislumbra a possibilidade de estimular a economia com ampliação do gasto público.

Sobrou a política monetária. Nas circunstâncias atuais, contudo, a expansão do estoque de moeda tem efeito limitado sobre a demanda doméstica.

O principal canal de transmissão da política do Fed é a taxa de câmbio. Em outras palavras, os EUA querem sair da crise exportando.

A China, por sua vez, também não dá o menor sinal de que concordaria em subordinar a sua política cambial a considerações de ordem internacional.

Continua resistindo ferozmente a uma apreciação mais expressiva do yuan.

Como observou um integrante da delegação brasileira aqui na Coreia, a mudança no regime cambial chinês ficou ¿para a próxima dinastia¿.

Com as duas maiores economias do mundo adotando políticas desse tipo, as perspectivas para o resto do mundo não são confortáveis. Países com câmbio flutuante e conta de capitais relativamente aberta, como o Brasil, tendem a sofrer mais .

Na ausência de uma solução global, o País terá de tomar novas medidas de autodefesa. Quais são as opções? Uma delas seria reduzir a taxa de juros interna. O elevado diferencial de juros entre o Brasil e o resto do mundo contribui para atrair capitais e valorizar demais o real, solapando a competitividade da economia e ameaçando setores da indústria.

O problema é que a economia brasileira está crescendo muito. A simples redução dos juros poderia levar a um aquecimento excessivo da demanda.

O ideal é combinar um ajuste fiscal com taxas de juro menores.

Mas isso não será suficiente. O próprio ajuste fiscal, na medida em que leve a uma melhora dos ¿ fundamentos¿ da política econômica, pode atrair mais capitais do exterior.

Uma outra alternativa, a acumulação adicional de reservas internacionais, padece de problema semelhante. A compra (esterilizada) de moeda estrangeira pelo Banco Central contra-arresta a pressão pela valorização do real. Mas o aumento das reservas reduz o risco associado a operações com o Brasil e pode atrair mais capitais.

Além disso, com os juros praticados no Brasil, a acumulação de reservas tem um custo fiscal elevado, que pode se tornar proibitivo. Isso porque a remuneração obtida com a aplicação das reservas no exterior é muito inferior ao custo da dívida pública que o governo emite para neutralizar (¿esterilizar¿) o impacto monetário da compra de reservas.

Parece evidente, portanto, que as políticas acima mencionadas terão de ser complementadas com medidas prudenciais e controles diretos sobre os fluxos de capitais. O governo brasileiro já tomou medidas desse tipo. Mas é provável que tenha que reforçá-las.

A livre movimentação de capitais se torna impraticável quando o país que é o principal emissor de moeda de reserva internacional adota políticas monetárias ultraexpansivas.