Título: $ 5 bi esquecidos
Autor: Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 11/07/2009, Economia, p. 15

Apenas 5% dos recursos do FGTS destinados às áreas de saneamento e transporte urbano foram usados este ano

Mesmo diante da enorme carência por água tratada, esgoto e coleta de lixo no país, o dinheiro do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para saneamento básico não é usado. Este ano, engordado pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o FGTS reservou R$ 4,5 bilhões para o setor, além de R$ 1 bilhão para o transporte urbano. Mas, até o momento, a retirada é zero para transporte urbano e o desembolso para saneamento é de somente R$ 253 milhões, o equivalente a cerca de 5% dos recursos disponíveis. Os dados são da Caixa Econômica Federal. Em todo o país, 48,7% das residências não têm rede de esgoto e 16,7% não têm água tratada, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE).

O vice-presidente de Governo e Loterias da Caixa, Moreira Franco, está preocupado com a situação. ¿É um problema que mobiliza o FGTS e o Ministério das Cidades a buscar caminhos para melhorar as aplicações¿, declarou. Ele reconhece que o desenvolvimento de projetos nessa área é geralmente demorado, mas ressalta que é alto o grau de politização na gestão das empresas de saneamento, a maioria vinculada a governos estaduais.

¿É preciso que as empresas tenham elevado nível de gestão e sejam confiáveis para poder pegar um dinheiro que precisa retornar, porque tem dono¿, explicou. De acordo com Moreira Franco, para contornar o problema do contingenciamento de recursos no setor público, o fundo de garantia este ano inovou. ¿Aprovamos, em março, uma resolução que destina R$ 3 bilhões para o setor em aplicações típicas de mercado¿, diz.

Garantia Nessas operações, as próprias empresas podem pegar diretamente o dinheiro dando como garantia, por exemplo, os recebíveis, ou seja, as contas de água ou de tratamento de esgoto dos consumidores. O superintendente executivo da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe), Walder Suriane, classifica a medida como excelente para algumas empresas do setor, justamente aquelas com capacidade para pegar empréstimos sem o aval do governo estadual. Suriane explica, no entanto, que muitas delas não têm condições de atuar sem a tutela do Estado. Segundo ele, a solução poderia vir do próprio Executivo estadual. ¿ O Tesouro do estado teria que entrar com os recursos necessários para as obras¿, observa.

Em defesa das empresas de saneamento, Suriane diz que, historicamente, sempre foram escassos os recursos para o setor. Quando o dinheiro começou a aparecer, as empresas passaram a sofrer com os limites de crédito impostos ao setor público. ¿Além disso, tudo é muito burocrático e cada etapa leva meses¿, afirma. De acordo com Suriane, entre a fase de projeto e o início das obras são gastos pelo menos dois anos.

Conforme o diretor de Água e Esgoto da Secretaria de Saneamento do Ministério das Cidades, Márcio Galvão, o valor do desembolso para as obras de saneamento vai subir. Para Galvão, é normal o descasamento entre o uso dos recursos do FGTS, que são disponibilizados anualmente, e o andamento das obras. O desembolso, segundo ele, acontece ao longo de três, quatro ou mais anos. ¿ O desembolso ao longo deste ano se refere a obras cujos contratos foram assinados há dois anos¿.

Além disso, tudo é muito burocrático e cada etapa leva meses

Walder Suriane, superintendente executivo da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais

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O descompasso entre a necessidade das obras de saneamento e a busca de recursos pelo setor parece encontrar respaldo na tradição política brasileira. Políticos não gostam de obra escondida. Embaixo da terra, então, nem se fala. No interior do país é comum praças serem continuamente reformadas e reinauguradas com outro nome a cada legislatura. Também é do gosto de prefeitos, vereadores e deputados em geral a inauguração de escolas e o asfalto nas ruas, além, é claro, das famosas casas populares.

A pressão da população está fazendo com que, pouco a pouco, essa situação comece a mudar, reconhece a Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe). Segundo a entidade que reúne as empresas do setor, voltadas para o abastecimento de água e esgoto tratado, os serviços básicos, principalmente os vinculados diretamente à melhoria da qualidade de vida e à saúde da população, vêm sendo cada vez mais reivindicados.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostragem Domicilicar (Pnad-2007) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram que os domicílios brasileiros ainda estão longe de contarem com a cobertura plena de esgotamento sanitário. No país, dos 56,344 milhões de domicílios, apenas 51,3% contam com rede coletora de esgoto. A cobertura é maior na zona urbana e chega a 59,5% dos lares. Na zona rural, no entanto, essa cobertura cai para 5,5%.

A situação melhora com relação ao abastecimento de água. Nesse caso, 83,3% dos domicílios brasileiros têm acesso à água encanada tratada. Na área urbana, esse índice de cobertura sobe para 93,1%, sendo de 28,2% o acesso à água encanada na zona rural. (VC)