Título: O importante e preservar o modelo do BC
Autor:
Fonte: O Globo, 24/11/2010, Opiniao, p. 6

A se confirmar o anúncio, pela presidente eleita, Dilma Rousseff, da não permanência, no seu governo, de Henrique Meirelles no Banco Central, encerra-se um ciclo de oito anos de gestão exitosa, em que a autoridade monetária, guardiã do poder aquisitivo da moeda, provou ser peça estratégica na estabilização da economia, quando é administrado sem interferências políticas.

A presidente enfrentará aqui um dos testes mais decisivos. Como aconteceu com o seu mentor, Lula, ao escolher para o Banco Central Meirelles ¿ alto executivo do sistema bancário internacional, símbolo de tudo aquilo que o PT oposicionista rejeitava. O novo presidente foi adiante e deu espaço a que Henrique Meirelles e o ministro Antonio Palocci, da Fazenda, executassem a receita indicada para debelar o surto inflacionário deflagrado no final da campanha de 2002 pelo próprio risco político do candidato do PT. Como era preciso ser feito, os juros subiram e os gastos foram contidos. Deu certo, a inflação anualizada voltou para a faixa de um dígito ¿ sendo preservado o poder aquisitivo da população ¿ e uma das fases de ouro da economia mundial fez o resto. Lula conclui o mandato com popularidade recorde, depois de, com base nela, tirar do virtual anonimato Dilma Rousseff e convertê-la na primeira presidente em 121 anos de República. Mas as reações aos indícios de que Henrique Meirelles não continuaria demonstram como ainda é preciso consolidar instituições no Brasil. Apesar de todo o acerto na condução do BC, facilitada pela correta decisão do presidente Lula de dar autonomia operacional ao banco, ainda há insegurança quanto ao futuro da economia, em função de riscos de mudança no papel que terá o Banco Central a partir de 1º de janeiro. Em 2002, o candidato Lula foi obrigado a assinar a Carta ao Povo Brasileiro, pela qual se comprometera a não seguir planos delirantes na economia ¿ os mesmos que ele e o partido haviam defendido desde sempre. Cumpriu o prometido e depois colheu os bônus do aperto fiscal e monetário. Dilma não precisou assinar documentos, mas fez declarações sensatas na mesma direção. Mesmo assim teme-se que a saída de Meirelles, com a manutenção de Guido Mantega na Fazenda, conhecido ¿desenvolvimentista¿ ¿ escola que costuma se preocupar menos com a inflação do que com taxas de crescimento ¿, tudo isso conjugado com a perda de status ministerial do BC, empurre os preços para o alto, sem a devida reação do governo. Numa economia de mercado, os governantes têm a vantagem de contar com alarmes. E eles já soaram: os juros no mercado futuro estão em alta ¿ passaram dos 12% nos contratos de vencimento em 2015 ¿, porque as projeções de inflação também sobem, diante da possibilidade de os gastos em custeio continuarem lépidos. Não deveria importar se Meirelles será substituído por Alexandre Tombini, diretor de Normas do BC, ou qualquer outro. O importante é preservar um modelo de funcionamento do banco testado e aprovado no mundo. No exterior, a autonomia costuma estar em lei, a solução ideal. Imaginar que juros podem ser alterados a golpes de caneta é ilusório ¿ como demonstram os mercados. Aliás, no início do ano, a taxa básica de 10,75% precisará subir, diante do aquecimento da economia, a não ser que haja duro, e improvável, aperto fiscal. Pela experiência obtida no governo Lula, Dilma tem condições de ser aprovada neste primeiro teste.