Título: China precisa deter e Coreia do Norte
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Fonte: O Globo, 24/11/2010, Opiniao, p. 6

A comunidade internacional tem um ¿novo¿ problema: a Coreia do Norte. Especialistas convidados a visitar o país relataram insuspeitados avanços no programa nuclear norte-coreano. E agora Pyongyang ataca uma pequena ilha na fronteira entre as duas Coreias, matando dois fuzileiros do Sul e ferindo 16, além de três civis, num ato de guerra. O pretexto foram manobras militares da Coreia do Sul na região.

Tudo isso quando a grande preocupação mundial era o Irã e seu programa nuclear. Mas o Irã, apesar dos aiatolás, é um país relativamente aberto ¿ o Brasil é um de seus mais recentes parceiros. No caso da Coreia do Norte, o mundo depende da China, única a ter alguma aproximação com o fechadíssimo regime, que mantém uma enorme máquina de guerra enquanto a população definha, com falta de alimentos.

Barack Obama classificou o incidente de ¿ato provocativo ultrajante¿, que terá interrompido um dos raros momentos em que o presidente americano comemorava uma vitória ¿ o acordo com a Rússia e os aliados europeus, no âmbito da Otan, para a construção de um escudo antimísseis na Europa. Mas, se a Rússia se engaja paulatinamente nos esforços da comunidade internacional, ainda falta obter isto da China.

Em março passado, um ataque atribuído à Coreia do Norte afundou um barco de guerra do Sul, matando 46 marinheiros. As ações sempre provocativas do Norte são bastante imprevisíveis. Mas, agora, há um agravante: a transição na ¿dinastia¿ que controla o país comunista desde sua criação, em 1948. Neste caso, o regime fica ainda mais imprevisível. O atual líder, Kim Jong-il, com problemas de saúde, está entronizando seu filho mais novo, Kim Jong-un, como sucessor. Ações militares como a de ontem podem ser uma forma de o mais novo Kim conquistar o respeito dos militares, a maior força organizada do país. Sem isso, ele não conseguirá comandar o país.

As negociações sobre o programa nuclear norte-coreano, interrompidas, têm seis participantes. Além da Coreia do Norte, EUA, Coreia do Sul, China, Japão e Rússia. A ausência de negociações, sempre motivada por algum ato agressivo de Pyongyang, frustra um dos principais objetivos do Norte ao desenvolver seu programa nuclear: fazer com que o Ocidente (e China, Rússia e Japão) paguem pela sua desmobilização, já que o país precisa desesperadamente de divisas.

A verdade é que a Coreia do Norte brinca com fogo, pois um ataque como o realizado à ilha de Yeonpyeong, ao qual a Coreia do Sul respondeu, pode deflagrar um conflito de consequências imprevisíveis. As duas Coreias nunca assinaram um acordo de paz, e os EUA têm mais de 28 mil militares estacionados no Sul. Torna-se cada vez mais importante o engajamento da China para conter seu indigesto aliado. Na área econômica, já é enorme o entrelaçamento dos interesses de Pequim com os do Ocidente. É um erro crasso da diplomacia chinesa pretender que a política internacional possa destoar disso, e ser conduzida com base em velhos preceitos. A China, segunda maior economia do mundo, com assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, tem que assumir as responsabilidades que já lhe cabem.