Título: Virada de mesa
Autor:
Fonte: O Globo, 15/11/2010, Opinião, p. 6

A economia brasileira enfrentou nos últimos anos, a partir da relativa estabilização monetária, o desafio de criar as bases para crescer e simultaneamente promover uma recuperação dos salários mais baixos. Já no lançamento do real, quando era necessário evitar pressões de demanda, o governo ¿arredondou¿ para cima o salário mínimo, deixando claro que a partir daquele momento haveria uma política de valorização progressiva do mínimo.

Muitos obstáculos têm de ser superados, entre os quais o impacto dos aumentos reais do mínimo sobre as contas públicas, seja diretamente sobre a folha de pagamentos de estados e municípios mais pobres, seja pela concessão de benefícios da Previdência (cujo piso está atrelado ao mais baixo salário admitido pela legislação).

No entanto, as reformas que se tornaram viáveis com a estabilização monetária deram uma nova dinâmica à economia brasileira.

Ganhos de produtividade, em um primeiro momento, acabaram se traduzindo posteriormente em um aumento de produção que demandou mais mão de obra e, em consequência, aumentos salariais.

A política de valorização do salário mínimo sempre ficou à mercê de apelos demagógicos e populistas. Para evitá-los, a saída encontrada pelo governo Lula foi propor uma fórmula de reajuste, com duração definida, pelo qual é possível se antever a evolução do salário mínimo em determinado horizonte.

Por essa regra, o mínimo deve ser corrigido pela inflação medida pelo INPC ¿ índice apurado pelo IBGE juntamente com o IPCA, que baliza as metas oficiais que o Banco Central deve procurar atingir ¿ e mais um ganho real vinculado à trajetória do Produto Interno Bruto (PIB).

Em face da dificuldade de se calcular ganhos efetivos de produtividade na faixa do salário mínimo, a opção foi usar um parâmetro que reflita o conjunto da economia, no caso o PIB. O método é em si problemático, pois se trata de um mecanismo de indexação, quando se tinha de percorrer o caminho inverso.

A fórmula, mesmo antes de virar lei, passou a nortear os reajustes autorizados pelo governo num momento em que a economia estava em clara trajetória de aceleração. Mas teria de valer também para períodos de desaceleração no horizonte considerado (oito anos).

Nesse sentido, como o PIB de 2009 foi impactado pela crise iniciada no ano anterior, a economia brasileira não cresceu na média anual (o primeiro semestre havia sido de forte retração, compensado por uma recuperação no segundo semestre). Os índices voltaram a ser positivos em 2010, mas, pela fórmula em vigor, o salário mínimo não deveria ter aumento real em janeiro próximo. O governo Lula seguiu a regra ao encaminhar o projeto de orçamento federal para 2011. Mas o mínimo foi objeto de exploração política nas eleições deste ano. Tanto oposição como a base de apoio parlamentar ao governo, em aliança com sindicalistas, não querem mais saber da regra e desejam embutir já no orçamento de 2011 um aumento real para o mínimo.

Como é grande a possibilidade de que isso ocorra ¿ a própria presidente eleita, Dilma Rousseff, manifestou sua concordância com algum aumento real ¿ fica configurado que a fórmula que está em vigor será desrespeitada.

Sendo assim, haverá uma regra substituta? E, se há ainda intenção de se preservar a fórmula, o aumento real de 2011 será considerado uma antecipação do previsto para 2012?