Título: Amarras para investir
Autor: Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 16/11/2010, O País, p. 3

Gastos com a máquina pública ameaçam meta de dobrar investimentos pretendida por Dilma

A primeira ordem da presidente eleita, Dilma Rousseff, dada à atual equipe econômica ¿ aumentar os investimentos públicos ¿ não parece ser tão fácil de cumprir quando são observados os números do Orçamento Geral da União (OGU). O governo Lula ampliou os investimentos, sobretudo após o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007, mas a verba pública para essas despesas ainda gira na casa de 1% do Produto Interno Bruto (PIB). O governo Dilma quer, pelo menos, dobrar esse percentual, em quatro ou cinco anos.

Esse é um dos maiores desafios diante de um orçamento engessado.

Só as despesas com pessoal, encargos sociais e benefícios previdenciários e assistenciais consomem quase 30% das receitas.

Para 2011, por exemplo, a previsão no Orçamento é de R$ 51,44 bilhões para investimentos, ou 1,32% do PIB projetado, de R$ 3,89 trilhões.

Esse montante é inferior aos R$ 58,1 bilhões aprovados para este ano. Ou seja, o governo enviou uma proposta com menos recursos para investimentos, contando que os parlamentares vão inflar esse valor com a aprovação de emendas para projetos e obras país afora.

Em 2009, levando-se em conta o valor liquidado ¿ com ações garantidas e pagamentos prontos para serem feitos ¿, o percentual ficou em 1,46%. Mas, segundo o economista Raul Velloso, o volume pago efetivamente em 2009 correspondeu a 0,96% do PIB. Para Velloso, o governo não tem outro caminho a não ser cortar gastos se quiser melhorar o volume de investimentos: ¿ Hoje, investimos algo muito próximo de 1%. E quem acha que isso é bom é quem compara com taxas de quando estávamos no fundo do poço. Sem cortar os gastos, não dá para aumentar. Achei muito bom o ministro (do Planejamento) Paulo Bernardo falar em contenção de despesas, porque era um assunto que estava enterrado.

Plano para conter gastos públicos

Semana passada, Bernardo deixou explícita a preocupação do governo com o dilema: corte de despesas e aumento de investimentos. O ministro propôs a Dilma um plano de contenção do crescimento dos gastos da máquina pública, como forma de, na outra ponta, aumentar o volume de investimentos.

Segundo ele, essa contenção do crescimento das despesas permitiria que, em quatro ou cinco anos, os investimentos dobrassem em relação ao PIB. Ele diz que os investimentos do OGU estão hoje em 1,1% do PIB.

¿ O investimento federal vai passar de 1,1% do OGU em 2011. Tivemos no governo Lula mais que o dobro (do governo anterior), e no governo Dilma isso vai aumentar mais ainda. O investimento demorou para engrenar no ritmo que gostaríamos.

Mas hoje o PAC está andando com muita rapidez ¿ disse Bernardo.

Os investimentos das estatais são contabilizados à parte e costumam ser divulgados pelo governo como forma de melhorar o perfil do gasto nessa área. Incluídos os investimentos das estatais, o investimento público médio é de 2,5% do PIB nos últimos anos. Mas, para analistas, o ideal seria aplicar cerca de 4% a 5% do PIB em infraestrutura.

Mapeamento da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB) mostra que o Brasil precisa de investimentos públicos e privados, apenas em infraestrutura, de R$ 168 bilhões anualmente, por pelo menos cinco anos, para desfazer os nós da economia.

Desse total, R$ 29,5 bilhões seriam em energia (geração, transmissão e distribuição); R$ 78,6 bilhões em petróleo e gás natural; R$ 14,1 bilhões em saneamento; R$ 25,2 bilhões em transportes e logística; e R$ 20,6 bilhões em telecomunicações.

Outro problema: na prática, o governo não consegue gastar todo o dinheiro destinado a investimentos.

A tática do governo Lula é deixar boa parte do pagamento de um ano para outro, dentro dos chamados ¿restos a pagar¿. Economistas e técnicos da Comissão Mista de Orçamento já alertaram para a explosão dos ¿restos a pagar¿.

O PAC teve sua execução acelerada, mas mantém a distorção de vários pagamentos ficarem de um ano para outro. Para 2011, o governo ampliou a verba: R$ 43,51 bilhões, contra R$ 31,85 bilhões de 2010.

Diante das críticas ao gasto efetivo, ou seja, ao ritmo dos investimentos, o governo costuma argumentar que o importante é o andamento das obras, e não o pagamento imediato delas, já que muitas obras têm o pagamento liberado por etapas.

¿ O governo Lula vai deixar R$ 50 bilhões de restos a pagar. Parte do dinheiro nem é investida. Agora, dizem que vão acelerar os pagamentos.

Queremos ver para crer ¿ disse o representante do PSDB na Comissão Mista de Orçamento, deputado Rogério Marinho (RN).

Nos bastidores, há um debate entre técnicos sobre os dilemas do governo Dilma e de como aplicar os recursos.

O fato é que há uma distância entre os chamados desenvolvimentistas, como Dilma, e os que desejam conter os gastos correntes.

A presidente eleita, segundo interlocutores, defende aumentos para o salário mínimo e o Bolsa Família, como forma de aquecer ainda o mercado interno e, assim, protegerse de eventuais efeitos da guerra cambial internacional.

Já outros governistas querem a implementação de propostas que rondam o governo desde 2005: a contenção das despesas correntes e a adoção de um teto para a folha salarial do funcionalismo ¿ que, em 2011, baterá os R$ 199,6 bilhões.

Paulo Bernardo disse, ao longo da semana passada, que ¿não tem margem para cortes¿ na peça orçamentária, e sim a adoção de medidas para conter a curva de crescimento dos gastos.

¿ Não temos um pacote de medidas fiscais a ser adotado. Estamos é interagindo com o Congresso para evitar projetos que signifiquem aumento de gastos. Mas Dilma vai ter uma situação melhor do que o início do governo Lula ¿ disse o ministro.

Para Velloso, é apenas discurso dizer que serão tomadas medidas de contenção de futuros gastos.

Ele acredita que a própria Dilma, como defensora de aumento de despesas como forma de ajudar a economia, mudará seu perfil como presidente.

¿ Não me preocupo com o fato de que antes a Dilma rechaçava isso.

Antes, ela era a ministra da gastança. Agora, ela será a mediadora das confusões. Agora, tem que haver o corte concreto ¿ afirmou Velloso.

O governo Lula vai deixar R$ 50 bilhões de restos a pagar. Parte do dinheiro nem é investida

Rogério Marinho, deputado do PSDB