Título: Para mulheres, metade do orçamento necessário: cenário que espera Dilma
Autor: Duarte , Alessandra
Fonte: O Globo, 28/11/2010, O País, p. 4

A primeira mulher presidente do país vai encontrar políticas de gênero que têm menos da metade dos recursos de que necessitam. A proposta orçamentária de 2011 prevê R$55 milhões para a Secretaria de Políticas para as Mulheres - mas a própria secretaria diz que precisaria de pelo menos R$225 milhões. Além de faltar recursos, os que chegam para as ações do setor enfrentam a baixa execução do dinheiro - o que é efetivamente pago daquilo que foi autorizado.

Dos R$35,5 milhões autorizados nos orçamentos de 2008, 2009 e 2010 para atenção integral à saúde da mulher, por exemplo, só 55% foram efetivamente gastos e liquidados. A pouca verba - e o que de fato é gasto dela - é a face monetária dos problemas enfrentados pelas ações de gênero, que avançaram em áreas como o combate à violência contra a mulher, mas ainda deixam a desejar em setores como a presença das mulheres no mercado de trabalho.

Os dados do orçamento vêm de um boletim inédito concluído pela ONG CFemea (Centro Feminista de Estudos e Assessoria), responsável pelo "Orçamento Mulher" presente no Siga Brasil, sistema de informações orçamentárias do Senado, com dados como os do Siafi.

Combate à violência contra a mulher tem verba 35% menor

Segundo esse boletim, o orçamento proposto em 2011 para combate à violência contra as mulheres é 35% menor do que o autorizado na Lei Orçamentária Anual de 2010. O valor caiu de R$39,27 milhões para R$25,7 milhões. Além disso, o Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2011 traz o menor montante autorizado para esse programa dos últimos anos, quando comparado com os valores autorizados em 2008, 2009 e 2010.

Quanto à implantação de ações de atenção à saúde da mulher para 2010, o estudo aponta que, até 21 de outubro deste ano, apenas 4,8% do orçamento 2010 para o item foram executados.

- A área da saúde da mulher é uma das que ainda precisam avançar mais. Só no ano passado, morreram 1.513 mulheres por problemas na gravidez, parto ou pós-parto - diz Sarah Reis, do CFemea.

Em 2009, o índice de mortalidade materna ficou em 75 mortes de mulheres a cada 100 mil nascidos vivos. A meta do governo é de redução de pelo menos 15% desse índice.

Outro setor, nas políticas de gênero, que preocupa pesquisadores é o que chamam de autonomia econômica das mulheres. Apesar de dados do Ipea divulgados este ano mostrarem que, entre 2001 e 2009, o percentual de famílias brasileiras chefiadas por mulheres subiu de cerca de 27% para 35%, a participação de mulheres no mercado de trabalho é de 64% contra 85% dos homens, segundo o Pnud.

A equiparação salarial também não melhorou: enquanto o homem branco ganha em média R$1.411 por mês, a mulher branca ganha R$889, e a negra, praticamente a metade, R$498 (o homem negro ganha R$757).

Guacira Cesar de Oliveira, assessora técnica do CFemea, lembra que, na População Economicamente Ativa (PEA) feminina no país, o maior setor, com 20%, é o das empregadas domésticas - o que mostra a baixa qualificação do trabalho feminino no país, apesar do bom nível das mulheres no quesito escolaridade (segundo o Pnud, 48% das mulheres com 25 anos ou mais têm pelo menos o ensino médio completo, 2,5 pontos percentuais à frente dos homens).

É como doméstica que Raimunda Melo trabalha há oito anos, desde que chegou ao Rio da cidade maranhense de Coroatá. Também vende água na Central do Brasil para completar com mais uns R$50 por dia a renda mensal de um mínimo:

- Agora estou fazendo um curso de radiologia. Para ver se consigo algo melhor, né? Porque isso aqui é pauleira.

- Houve uma expansão do combate à violência contra mulher, com a criação da Lei Maria da Penha e de um plano de enfrentamento a essa violência. Mas o ingresso no mercado de trabalho ainda precisa de ação mais incisiva da secretaria. Falta política para creches públicas, que liberam a mulher para o trabalho. Mas as creches entram na lógica de que são responsabilidade dos municípios. Eles fazem pouco, a União investe pouco, e a creche infelizmente segue sendo problema só das mulheres - afirma Ana Alice Alcântara, coordenadora de pós-graduação sobre gênero da UFBA.

Segundo o CFemea, apesar de terem sido construídas, desde 2007, mais de 1,7 mil creches e pré-escolas, o número de matrículas na educação infantil teria crescido apenas 0,8% no período. Estudo da professora Bila Sorj, da Unicamp, mostra, porém, que as mulheres que têm com quem deixar os filhos ganham salários 55% superiores aos das que não têm.

Moradora de Magalhães Bastos, Zona Oeste do Rio, Dayana Silva, com uma filha de 4 anos e um bebê de 1 mês, está desempregada:

- Estou procurando, mas é difícil, porque não tenho onde deixar as crianças. Onde moro não tem creche, só pagando.

Ana Alice, da UFBA, destaca também, como área que ainda precisa avançar, a participação das mulheres no poder:

- Nenhum dos poderes tem hoje 30% de mulheres. Se no Legislativo isso dependeria dos partidos, no Executivo poderia ter havido maior pressão do governo federal.

Informações difusas de ministérios dificultam controle

Além da falta de recursos para o setor, o monitoramento de ações que são realizadas por outros ministérios - o atual Plano Nacional de Políticas para as Mulheres tem mais de dez ministérios - é outro obstáculo.

- Faltam informações de muitos ministérios. Muitos não especificam, por exemplo, quanto da sua verba vai para políticas de gênero - diz Guacira de Oliveira. - Se a secretaria tivesse mais força política, poderia ter agido nos últimos anos com mais efetividade. Quando a (ministra) Nilcea Freire assumiu, ficou todo mundo na expectativa, porque ela não vinha da área de estudos de gênero. Mas ela conseguiu avançar. Só que é uma secretaria nova. Como vai mandar num ministério do tamanho da Educação ou da Saúde?