Título: Sarney cria uma encrenca doméstica
Autor: Rocha, Marcelo
Fonte: Correio Braziliense, 15/07/2009, Política, p. 4

Se a anulação dos atos secretos for confirmada, parentes terão de devolver salário Sarney ontem no Congresso: agregados do senador peemedebista correm risco de se tornarem devedores dos cofres públicos

Ao anular os 663 atos secretos do Senado, o presidente José Sarney (PMDB-AP) criou um problema doméstico. Se a decisão tiver efeito prático, como ele sustenta que terá, o peemedebista pode transformar alguns de seus agregados em devedores dos cofres públicos. Nomeadas sem a devida publicidade legal, duas sobrinhas do casal Sarney, Maria do Carmo Macieira e Vera Portela Macieira Borges, teriam que, juntas, devolver mais de R$ 400 mil referentes a salários recebidos da instituição.

Maria do Carmo foi destacada para trabalhar como assistente parlamentar no gabinete da prima e então senadora Roseana Sarney (PMDB-MA), hoje governadora do Maranhão, em junho de 2005 por meio de ato secreto. Em valores atuais, teve direito a remuneração de R$ 1.773. Ou R$ 85 mil, se somados os vencimentos e o 13º salário recebidos até março deste ano, quando foi promovida e passou a ganhar R$ 2.794. A ascensão funcional foi efetivada por meio de ato público.

Outra sobrinha do casal Sarney, Vera Portela foi nomeada, também por ato secreto, para a Presidência do Senado em maio de 2003, com salário de R$ 4.661. Como Vera mora em Campo Grande (MS), Sarney a cedeu ao escritório político do senador Delcídio Amaral (PT-MS) naquela capital. Até março deste ano, se considerado também o 13º salário, ela acumulou cerca de R$ 340 mil em vencimentos.

Até as 19h de ontem, o ato de Sarney que determina a nulidade dos atos secretos não havia sido publicado. A partir dele, uma comissão de servidores sob o comando do diretor-geral, Haroldo Tajra, estudará seus efeitos práticos. Analisará se nomeações, como as de Maria do Carmo e Vera Portela, têm validade. Ou exonerações, como a de João Fernando Michels Sarney, neto do presidente do Senado e ex-funcionário do gabinete de Epitácio Cafeteira (PTB-MA). João Fernando deixou a instituição em outubro passado na leva de demissões realizadas para o cumprimento da súmula do Supremo Tribunal Federal (STF) que proibiu a contratação de parentes na administração pública. Só se soube da passagem do neto de Sarney pela instituição após a descoberta dos atos secretos.

Em análise Procurada ontem pelo Correio, a assessoria do peemedebista ponderou que é preciso aguardar o trabalho do grupo. Informou que a comissão estudará as situações de Maria do Carmo, Vera Portela, João Michels e as demais. Não será tarefa fácil. Prática desde 1995, os atos secretos envolvem mais de 250 nomeações e exonerações. Se forem anulados, haverá consequências administrativas e, em alguns casos, financeiras. Por exemplo: se a demissão de João Fernando for anulada, ele poderá, em tese, reivindicar seu lugar de volta na instituição. E cobrar o que deixou de receber: R$ 6, 6 mil mensais. A vaga do rapaz foi ocupada pela mãe dele, Rosângela Terezinha Michels Gonçalves.

Há outras situações com repercussão financeira. Os atos secretos serviram para criar e prorrogar dezenas de comissões especiais. Os servidores escalados para trabalhar nesses grupos, responsáveis pela análise dos mais variados temas, como o inventário do almoxarifado da Casa, recebem adicionais que podem chegar a R$ 2,3 mil mensais. Entre as normas que ficaram anos sob sigilo, há pelo menos 30 situações do gênero somente no ano passado. Existe ato que liberou, por exemplo, a realização de horas extras acima dos limites estabelecidos anteriormente pela direção da Casa. O Senado criou ainda cargos por meio dessas normas. Em 2008, numa decisão da Mesa Diretora, as lideranças dos pequenos partidos puderam contar com um assessor a mais.

APURAÇÃO EXTERNA

A Procuradoria da República no Distrito Federal abriu investigação administrativa para apurar a responsabilidade pelos atos secretos do Senado. Os representantes do Ministério Público Federal pediram à Polícia Federal a abertura de inquérito para investigar a irregularidade do ponto de vista criminal. No mês passado, num parecer sobre a matéria, o MPF sugeriu ao presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), que anulasse as normas que ficaram sem a devida publicidade.