Título: Hora de mudar a diplomacia companheira
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Fonte: O Globo, 26/11/2010, Opinião, p. 6
Se, na política econômica, a manutenção de princípios seguidos na Era Lula é desejável no governo Dilma Rousseff, na política externa está na hora de uma reavaliação dos rumos. É inegável o crescimento da figura do presidente Lula no cenário internacional, nos últimos oito anos, por sua história de vida e por êxitos do governo em diversas áreas. Já o Brasil, aproveitando o impulso iniciado ainda nos governos FH, e até pelo êxito da continuidade na política econômica, projetou-se como um dos países emergentes mais influentes, passando a ter voz ativa em importantes fóruns internacionais, como o G-20.
Na política externa, porém, essa nova dimensão brasileira foi mal conduzida. Embora o país mantivesse o legítimo objetivo de obter um assento permanente num Conselho de Segurança reformulado, essa meta passou a justificar atitudes não condizentes com a tradição da diplomacia brasileira. O receio de perder apoio árabe, por exemplo, levou o Brasil a se abster em votações para condenação, nas Nações Unidas, do regime genocida do Sudão.
Brasília não soube medir a mão também no que toca à solidariedade com os países em desenvolvimento, cujo apoio deseja obter ao seu pleito no Conselho de Segurança. O argumento usado para explicar a aproximação exagerada com déspotas - como Hugo Chávez, da Venezuela -, ou párias - como Mahmoud Ahmadinejad, do Irã - era a contenção, no primeiro caso, e o não isolamento, no segundo.
Foram opções equivocadas que levaram o Brasil a defender a entrada na Venezuela no Mercosul como membro pleno - um país cujo regime torna-se cada vez mais hostil a valores universais, como a democracia e as liberdades civis. No caso do Irã, chegou ao ponto de Brasília pegar a contramão da comunidade internacional para tentar evitar, inutilmente, a imposição de sanções a Teerã por novos desafios em seu programa nuclear.
O último exemplo desse equívoco foi a abstenção brasileira na ONU numa votação destinada a condenar o Irã por usar métodos insanos, como a morte por apedrejamento de mulheres supostamente adúlteras, em sua "justiça" criminal. Perdeu o país boa oportunidade para zelar pelo artigo 4º da Constituição - "A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:", em seu inciso II: "prevalência dos direitos humanos".
A decisão de se afastar dos EUA, em nome da retomada de conceitos ultrapassados, como um esquerdismo terceiro-mundista militante que oporia países ricos a pobres, acabou, por ironia, prejudicando o objetivo maior do assento no Conselho. Recentemente, o presidente Barack Obama manifestou sua opção pela Índia como representante dos novos países emergentes naquele Conselho.
Os que advogam esse afastamento dos EUA deveriam lembrar-se que o empenho do presidente Jimmy Carter na defesa dos direitos humanos foi importante para aqueles que, naquela época, lutavam contra a ditadura militar no Brasil. A política externa precisa retomar o eixo do equilíbrio.