Título: Menos tarifas, anuidade maior
Autor: Duarte, Patrícia; Gomes, Wagner
Fonte: O Globo, 26/11/2010, Economia, p. 29
Os bancos e outras instituições financeiras que emitem cartões de crédito poderão cobrar apenas cinco tarifas dos consumidores, como antecipou o GLOBO na edição de ontem, segundo as novas regras estipuladas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Mas as receitas geradas pelas taxas que deixarão de existir poderão ser incorporadas à anuidade do cartão. Ou seja, na prática, o usuário pode continuar tendo os mesmos gastos, já que o próprio setor reconhece que as anuidades podem até subir. Além disso, o CMN estabeleceu o pagamento mínimo da fatura em 20% e tornou obrigatória a oferta de um cartão básico, com menos funções e anuidade mais barata.
As novas normas entram em vigor em junho de 2011 para os novos contratos. Para os já existentes, a data é um ano depois. O número de tarifas definido é muito menor do que as quase 80 que existem hoje no mercado, boa parte delas com nomenclaturas diferentes para os mesmos serviços - agora, elas terão que ser padronizadas.
- Vamos tornar o setor de cartões mais transparente - resumiu o diretor de Politica Monetária do BC, Aldo Mendes.
O limite mínimo de pagamento das faturas de cartões passará a 20% até o fim de 2011, como O GLOBO também já informara. Hoje, os bancos costumam cobrar 10%. Para os órgãos de defesa do consumidor, essa medida será benéfica porque ajudará o cliente a não ultrapassar seus limites de crédito e enfrentar juros exorbitantes. Hoje, as taxas cobradas pelos cartões de crédito ultrapassam 100% ao ano.
- A regra é positiva porque limita o prejuízo do consumidor. É um péssimo negócio usar o rotativo - afirmou o presidente do Procon de São Paulo, Roberto Pfeiffer, acrescentando que todas novas regras são bem-vidas.
- Queremos evitar um superendividamento dos consumidores - resumiu o diretor de Administração do BC, Anthero Meirelles.
Medida cria conta corrente eletrônica
Segundo o regulamento, os bancos emissores de cartões poderão cobrar apenas as seguintes tarifas: anuidade; segunda via do cartão (quando não for por culpa do banco); pagamentos de contas por meio do cartão; avaliação do limite de crédito quando solicitado pelo cliente; e saques em espécie na função crédito. Segundo Mendes, qualquer outra tarifa diferente dessas estipuladas deixará de existir, mas os bancos poderão incluir essa receita na cobrança da anuidade. O diretor argumentou que as novas regras facilitarão a comparação de preços e, deste modo, elevarão a competição no setor e reduzirão custos.
- É uma questão comercial de cada banco - afirmou o diretor.
O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), Paulo Rogério Caffarelli, concorda com o raciocínio. O setor fatura cerca de R$550 bilhões por ano:
- Pode ser que a anuidade aumente um pouquinho, mas a concorrência vai fazer uma adequação.
O CMN criou ainda a figura do cartão básico e do cartão diferenciado, que podem ser tanto da modalidade nacional quanto da internacional. Todas as instituições que trabalham com cartões serão obrigadas a oferecer o básico, que deve exercer a função clássica do dinheiro de plástico: meio de pagamento e oportunidade de parcelar a fatura. Os diferenciados são aqueles que possuem programas de recompensas, como milhagens e créditos para celulares. Necessariamente, a anuidade do básico terá de ser menor do que a do tipo diferenciado.
O CMN também determinou que os bancos não poderão enviar cartões aos consumidores sem a solicitação, ficando sujeitos a punição pelo BC. Além disso, terão que atender imediatamente à solicitação de cancelamento por um consumidor. E terão que enviar, sem custos, um extrato anual das tarifas, juros e encargos cobrados.
Outro novo serviço criado pelo CMN foi a conta corrente eletrônica, a partir de março. Ela deverá ser movimentada exclusivamente por meios eletrônicos, como internet e celular. Neste caso, o banco não poderá cobrar qualquer tarifa, mesmo que tenha algum problema nestes meios e o cliente tenha de recorrer a um meio tradicional, como agência bancária. Para Mendes, do BC, essa alternativa deverá atrair mais o público jovem, mais acostumado com tecnologia.
O grupo de trabalho que organizou as novas regras de cobrança de tarifas dos cartões de crédito é formado pelo BC e pelos ministérios da Fazenda e da Justiça.
"Não há explicação sobre o que se paga"
Os executivos de algumas das principais operadoras de cartão de crédito fizeram uma espécie de mea-culpa ontem ao comentar as medidas do CMN. Segundo eles, o mercado brasileiro de cartões cresceu muito rápido e, por isso, a indústria não teve como "criar uma condição mais confortável" de serviços aos consumidores.
- Teremos cada vez mais uma regulamentação forte, chata e impositiva. Mas temos um pouco de culpa. Em um mercado tão crescente não fizemos muita coisa - disse Leonel Andrade, presidente da Credicard, durante o 2º Fórum CardMonitor de Inteligência de Mercado, em São Paulo.
Segundo ele, agora só vai "sobreviver quem de fato investir em qualidade e custos menores, pois haverá muito mais concorrência". O executivo contou que a expectativa era de que o CMN preservasse pelo menos 14 das mais de 80 taxas que as operadoras cobram dos clientes.
Para o advogado Frederico Almeida, da Proteste Associação de Consumidores a nova regulação é um avanço, mas há questões complicadas que não foram contempladas.
- Faltou na regulamentação algum movimento de controle ou fiscalização dos juros do crédito rotativo, que podem chegar a 300% ao ano. Além disso, não se tratou da cobrança de preço mais alto para o pagamento em cartão de crédito - disse Almeida.
O defensor Fabio Schwartz, do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Rio, afirmou que a definição das tarifas permitirá o fim "do festival de cobrança de tarifas". O limite para o pagamento mínimo foi uma vitória, disse ele.
- O risco de superendividamento diminui. Acaba sendo uma forma de disciplinar o consumidor.
O consumidor Márcio da Silva Pinto, de 51 anos, diz que a padronização das taxas pode ajudar a entender as faturas que recebe:
- Não há explicação clara sobre o que se paga. São sempre debitados valores de quatro, cinco ou seis reais e não existe quem possa me ajudar a compreendê-las - disse ele.