Título: Tráfico asfixiado
Autor:
Fonte: O Globo, 29/11/2010, Opinião, p. 6

TEMA EM DISCUSSÃO: O papel das UPPs na guerra contra o crime organizado

Não há imagem mais emblemática do desmantelamento do controle do tráfico de drogas operado a partir das favelas do Rio do que as cenas, mostradas ao vivo semana passada pela televisão, de bandidos fugindo desordenadamente pela mata da Vila Cruzeiro durante a retomada daquela comunidade pelo Estado. O terrorismo que antecedeu o Dia D de quinta-feira passada, ainda que tenha deixado a capital e outras regiões fluminenses sob o domínio do medo, já era uma manifestação de desespero dos traficantes diante dos golpes certeiros que o poder público lhes tem desferido.

É fora de dúvida que a guerra contra o tráfico de drogas no Rio entrou numa fase que deixa na defensiva as facções que o dominam. E, para essa virada no jogo, revelou-se fundamental a instalação de Unidades de Polícia Pacificadora em favelas antes subjugadas pelo crime organizado. Isso porque as UPPs cumprem o papel tático de asfixiar economicamente as quadrilhas, ao mesmo tempo que permitem à polícia criar laços com os moradores. E, estrategicamente, esses batalhões avançados abrem espaço para o poder público, enfim, realizar programas de inclusão social, através de serviços de infraestrutura, educação, saneamento, saúde, lazer, etc.

Mas também é fora de questão que as UPPs não são uma panaceia. É ilusão imaginar que a instalação dessas unidades policiais permanentes por si só livrará a cidade do flagelo da violência decorrente da ação do crime organizado. Esse é apenas um pilar de um projeto bem mais amplo, que pressupõe a intervenção do Estado em demandas sociais crônicas, cujo acúmulo relegou inúmeras regiões à exclusão da cidadania e ao consequente domínio da criminalidade.

O importante, agora, é o poder público aproveitar o momento excepcional que se criou, a partir dos golpes profundos aplicados contra o crime organizado, para aprofundar as ações de combate aos traficantes. Os acontecimentos deflagrados semana passada mostraram, na prática, a viabilidade de integrar o Executivo federal e a Justiça nas operações pontuais de sufocação do tráfico. Disso foi evidência a participação das Forças Armadas, com o emprego de veículos de combate e de tropas nos movimentos de apoio logístico, bem como a presença de policiais federais nas incursões ao bunker do tráfico na Vila Cruzeiro. Essa colaboração também pode, e deve, se estender a operações estratégicas, como o aumento do controle de fronteiras e de rodovias, de modo a estancar o fluxo de armamento, que é a base sobre a qual se impõe o poder das quadrilhas nas comunidades.

Mesmo nesta nova fase da guerra contra o tráfico, em que o Estado passa à ofensiva e persegue os criminosos diretamente nas áreas onde se supunha que estivessem mais fortalecidos, as UPPs continuam a ser fundamentais. Não se pode esquecer que ainda há um grande número de comunidades sob o jugo de bandos organizados, e resgatar tais regiões deve fazer parte do projeto mais amplo de pacificação da cidade. Há, ainda, outro desafio para as forças de segurança fluminenses: o crescimento das milícias. Os recentes episódios de violência protagonizados pelos traficantes obrigaram o poder público a dar-lhes pronta resposta. Mas, em algum momento, a guerra há de ser ampliada ao front que concentra os grupos paramilitares - outra, e talvez mais difícil de ser enfrentada, vertente do crime organizado no estado.