Título: Solidários, pero no mucho
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 15/07/2009, Política, p. 4

Zelaya está agora amarrado à iniciativa de paz costa-riquenha, com a Casa Branca no comando dos cordéis. Ou pode jogar o tudo ou nada, em desvantagem estratégica. Fora do poder, do país e com limitada capacidade de mobilização interna

O deposto (e constitucional) presidente de Honduras, Manuel Zelaya, anda inquieto. Se as negociações na Costa Rica não derem certo para ele, promete usar ¿outros meios¿ para voltar a ser de fato o chefe do governo. Essa inquietação de Zelaya tem fundamento: a saída para o impasse hondurenho está sendo produzida devagar o suficiente para evitar a volta do status anterior à ruptura. Assim, todos podem solidarizar-se com o mandatário removido do cargo e posto para fora do seu país. Sem que isso implique reconduzir Zelaya ao patamar político que ocupava antes do golpe.

Na prática, o hemisfério está com Zelaya, pero no mucho. Com exceção, naturalmente, dos bolivarianos. Por trás da impressionante unanimidade continental, mora a divisão; num lado, Hugo Chávez e aliados; no outro, Barack Obama, Luiz Inácio Lula da Silva e sócios menores. A Venezuela entendeu que uma solução negociada, que inclua bloquear a reforma constitucional tentada por Zelaya ¿na lei ou na marra¿, vai representar a contenção do projeto regional de Chávez. E a balança terminará de pender para o lado de Estados Unidos e Brasil. Ambos interessados numa fórmula que formalmente reponha Zelaya na cadeira, mas que também o impeça de levar adiante o plano bolivariano original.

Zelaya está, então, preso a um processo cuja lógica o enfraquece. Isso interessa muito a Washington, que desta vez opera com amplo apoio externo. Quando a Organização dos Estados Americanos (OEA) deu o passo para revogar a diáspora cubana, comentei aqui que o ¿soft power¿ de Obama tinha se tornado um sucesso latino. De lá para cá, as coisas só avançaram (ou retrocederam, conforme o gosto do freguês). Em um semestre, a nova administração na Casa Branca conseguiu inverter completamente o jogo. A situação hondurenha é só a face mais visível da virada.

Com Bush na cadeira, Chávez era o vetor em expansão, enquanto países como Brasil e Chile estavam constrangidos a apoiar o venezuelano, dado o confronto geopolítico e retórico com o adversário imperial ao norte. Agora, especialmente depois da fraqueza operacional exibida pela Venezuela na crise de Tegucigalpa, os jogadores regionais já sabem que o centro de poder deslocou-se novamente no sentido de Washington, restando a Caracas a retórica e o nervosismo. A não ser, claro, que Chávez e aliados decidam jogar a carta militar. E que obtenham sucesso na empreitada. Seria um risco e tanto.

Sempre é complicado analisar a História em tempo real, mas, se o desfecho do golpe hondurenho for mesmo a amputação (total ou parcial) do projeto bolivariano de Zelaya, estará se fechando o ciclo aberto na fracassada tentativa de derrubar Chávez em 2002. Ali houve mobilização popular, mas decisiva mesmo foi a posição das Forças Armadas. Que recolocaram Chávez na cadeira quando perceberam que a intenção dos golpistas era implantar uma ditadura.

Também agora os militares, desta vez em Honduras, parecem deter a posição-chave. E Zelaya não está bem nesse campo, desde que tentou sem sucesso decapitar a cúpula do Exército, por ela se opor, com o apoio da Justiça e do Congresso, à consulta popular convocada pelo presidente em torno do tema da Assembleia Constituinte.

Qual é a diferença entre os dois episódios, a Venezuela em 2002 e Honduras agora? O respeito à legalidade. Você pode não gostar do rumo por que vai a Venezuela, mas não há acusações críveis de que Chávez tenha rompido a constitucionalidade. Similar é a situação de Evo Morales, na Bolívia, e Rafael Correa, no Equador. Nas condições particulares da América do Sul, continente historicamente infestado por casuísmos e casuístas, aqueles três países conduzem seus conturbados processos políticos dentro da lei. Mas em Honduras foi diferente. Zelaya quis dar o pulo do gato. Sem rede de proteção.

Agora, está amarrado à iniciativa de paz costa-riquenha, com a Casa Branca no comando dos cordéis. Ou pode jogar o tudo ou nada, em desvantagem estratégica. Fora do poder, do país e com limitada capacidade de mobilização interna. E tendo que confrontar Barack Obama. Não será uma escolha fácil para Zelaya.