Título: Haiti vota sob denúncias de fraude
Autor:
Fonte: O Globo, 29/11/2010, O Mundo, p. 26

Expectativa é de que eleição só seja definida no segundo turno, em janeiro

PORTO PRÍNCIPE. Atingidos por um terremoto, um furacão e uma epidemia de cólera ao longo de 2010, os haitianos foram ontem às urnas escolher os próximos governantes do país - presidente, senadores e deputados - numa eleição marcada por grandes expectativas, e pontuada por denúncias de desorganização e fraude. No entanto, não houve explosões de violência, como se temia, e o pleito transcorreu em calma aparente.

Entre as dificuldades registradas estava a falta de carteiras nacionais de identidade - que muitos haitianos não conseguiram obter a tempo - e a ausência do nome de eleitores nas listas, impedindo que vários votassem. Houve também registro de seções eleitorais que demoraram a abrir, deixando as pessoas incertas sobre se votariam ou não.

- As pessoas vieram exercer seu direito de cidadãos de votar, mas até agora ninguém conseguiu - reclamou Joel Biteau, observador de um dos partidos políticos numa seção eleitoral.

Presidente: "2010 foi o pior ano da História do Haiti"

Três dos 18 candidatos presidenciais anunciaram que fariam denúncias de fraude maciça no pleito. Segundo um observador internacional, o professor de Direito Nicole Phillips, da Universidade de São Francisco, nos EUA, a desorganização prejudicará a credibilidade das eleições.

- Isso é mais do que confusão - disse ele, que trabalha como advogado para o Instituto Para a Justiça e a Democracia no Haiti.

A segurança da votação foi garantida por 12 mil soldados das forças de paz da ONU e policiais haitianos. Isso não impediu, no entanto, que em Fort Liberté, no nordeste do país, uma pessoa ficasse ferida por disparos feitos por pistoleiros contra a multidão.

Lideram entre os 18 candidatos à Presidência do país uma matriarca da oposição educada na Sorbonne (Mirlande Manigat), um tecnocrata do governo protegido do atual presidente René Préval (Jude Célestin) e um carismático artista e músico (Michel "Sweet Micky" Martelly).

Embora as pesquisas de opinião coloquem na frente Mirlande Manigat, de 70 anos, a falta de clareza em relação a um favorito aumentou a probabilidade de o pleito ser decidido no segundo turno, em 16 de janeiro.

Os grandes protagonistas da eleição de ontem, porém, parecem ter sido a apatia, a confusão e o medo de violência, que podem ter feito muitos dos 4,7 milhões de eleitores registrados a ficarem em casa. A epidemia de cólera - que matou cerca de 2 mil pessoas, segundo a ONU - também pode ter contribuído para a abstenção.

Apesar da desorganização, muitos haitianos disseram estar ansiosos para votar, afirmando que viam o pleito nacional como um caminho para ajudá-los a construir um futuro melhor depois desses anos de sucessões de calamidades que assolaram o país numa história de desastres naturais e problemas causados pelo homem, como rebeliões e ditaduras corruptas.

Chamando 2010 de "o pior ano da História do Haiti", o presidente Préval conclamou os haitianos a votarem em paz.

Atos de violência esporádica, incluindo emboscadas a caravanas em campanha, tiros aleatórios e ataques de insurgentes contra forças de paz nepalesas da ONU, a quem alguns haitianos acusam de levar o cólera para o Haiti, deixaram inúmeras vítimas no período que antecedeu a votação. A ONU afirma que não há provas conclusivas de que os soldados nepaleses são a origem do surto da doença.