Título: Manguinhos: inquérito busca elos políticos
Autor: Otavio, Chico; Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 27/11/2010, O País, p. 3

Justiça quebrou sigilo de Marcelo Sereno e mais 12

O ex-secretário de Comunicação do PT Marcelo Sereno é uma das 12 pessoas que tiveram o sigilo fiscal e bancário quebrado na Operação Alquila, investigação da Polícia Civil do Rio sobre a máfia do combustível que opera no Estado. Para convencer a juíza Maria Elisa Lubanco, da 20ª Vara Criminal, a autorizar as quebras, a polícia informou que Sereno usava de influência no PT para alavancar os negócios da Refinaria de Manguinhos, cujo Conselho Administrativo presidiu até o ano passado. A decisão, tomada pela juíza Maria Elisa Lubanco, da 20ª Vara Criminal, no ano passado, veio à tona agora, depois que ela decidiu remeter o inquérito para o Supremo Tribunal Federal (STF). A refinaria, principal alvo dos investigadores, é apontada no inquérito como a base da suposta quadrilha.

A juíza também autoriza a quebra de sigilos de 17 empresas. Em relatório de investigação produzido pela Delegacia Especial de Crimes contra a Fazenda, Sereno figura como sócio da Grandiflorum Participações, uma das empresas usadas pelo empresário Ricardo Magro para assumir o controle acionário de Manguinhos. O petista, candidato derrotado a deputado federal (PT) nas últimas eleições no Rio, também figura como pessoa vinculada ao empresário Elmiro Chiesse Coutinho, que seria testa-de-ferro de Magro, e um executivo que usava "influência política junto ao PT".

O golpe investigado pela Alquila consiste na compra e venda de combustíveis (principalmente gasolina A) sem o recolhimento do ICMS. Na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), uma CPI apurou que, entre 2002 e 2006, o esquema teria produzido um rombo de pelo menos R$850 milhões na arrecadação. Embora Ricardo Magro insista em afirmar que só assumiu a refinaria em 2008, a polícia e o Ministério Público estão convencidos de que, mesmo antes do negócio, empresas que já gravitavam em torno de Magro usavam Manguinhos como plataforma das ações de sonegação.

Uma das modalidades de fraude descobertas na investigação foi o uso, de forma irregular, de regime especial concedido pela então governadora Benedita da Silva (PT), em 2002, que desobrigava as distribuidoras a recolher o imposto na origem (quando compravam o combustível na refinaria). Para não pagar o ICMS também na venda aos postos, as empresas simulavam operações interestaduais de comércio de combustível, o "passeio da nota", no qual só as notas fiscais viajavam, enquanto o produto era vendido na rede do Rio.

Na época da concessão do regime especial, o chefe de gabinete de Benedita era Marcelo Sereno. A primeira empresa favorecida foi a Inca Combustíveis, de propriedade de Hiroshi Abe Júnior. Na Alquila, Hiroshi é identificado como um dos "cabeças" da suposta quadrilha liderada por Magro.

Sereno não é o único político investigado no esquema de sonegação. Escutas telefônicas autorizadas pela Justiça revelaram que Magro contava com o apoio de um influente político de Brasília, provavelmente "deputado federal ou senador da República", como informa o inquérito, para remover os obstáculos aos negócios do grupo. Do político, o inquérito informa apenas que usava uma linha Nextel, pertencente à Rádio Melodia FM, para falar com o empresário. Em nota lida na quarta-feira em plenário, o deputado federal Eduardo Cunha afirmou que a linha era da emissora e que tivera diversos encontros com Magro, que diz ter trabalhado como seu consultor jurídico. Cunha afirmou ainda, na nota, lida em plenário, que questionaria, na Justiça, o vazamento do inquérito.

As conversas entre Magro e o parlamentar, além de combinarem a solução para um problema entre Manguinhos e o grupo Braskem, que teria suspendido a venda de gasolina do tipo A para a refinaria, revelam também que o político atuou em um negócio do empresário em Brasília: a escolha de um ponto para a instalação de um restaurante. O interlocutor pressiona Magro para que o negócio de concretize. Chega a oferecer o seu gabinete para uma reunião de Magro com uma pessoa identificada pela polícia como "Itamar dos Santos Silveira", que teria a responsabilidade de procurar o ponto comercial em Brasília.

Sereno não comenta inquérito

Procurado, o ex-assessor da Casa Civil Marcelo Sereno informou que não se pronunciaria porque não tinha informação sobre o inquérito. Sereno, atual secretário de Desenvolvimento Econômico e Petróleo de Maricá, deixou a Grandiflorum, controladora de Manguinhos, no final do ano passado. Ele afirmou, na semana passada, que conhece Ricardo Magro, "que é da família controladora da Ampar", também integrante do grupo que administra Manguinhos.

Ontem, a refinaria de Manguinhos informou, por meio de sua assessoria, que não teve acesso à íntegra do inquérito, portanto não poderia se manifestar a respeito da reportagem. Manguinhos afirmou, por e-mail, na semana passada, desconhecer o inquérito para investigar fraudes na refinaria. A refinaria afirma que é "uma empresa listada em bolsa de valores e auditada" e está "com as suas obrigações legais e fiscais em dia", razão pela qual "repudia por completo qualquer acusação de práticas de sonegação fiscal".

O grupo também se isenta de responsabilidade pelas fraudes investigadas, porque, segundo a refinaria, ocorreram em 2006, antes da gestão Andrade Magro. O grupo informou ainda que tomaria medidas judiciais para apurar a origem do vazamento das informações sobre o inquérito.

A investigação também aponta a ligação de Edson Menezes, então superintendente da ANP, com o grupo. Ele passaria informações internas da agência, de interesse de Manguinhos, para o grupo. A ANP não respondeu ontem à indagação do GLOBO. Na semana passada, a agência informou que Edson Menezes da Silva, funcionário da agência e ex-superintendente de Abastecimento da agência, disse ter tido conversas com Magro, mas, em audiência para tratar de esclarecimentos sobre exigências da ANP relativas a empresas do grupo.