Título: Ayres: Judiciário ameaça liberdade de imprensa
Autor: Suwwan, Leila
Fonte: O Globo, 27/11/2010, O País, p. 12
Ministro do STF afirma ser contra qualquer tipo de regulamentação e diz que "grande lei é a Constituição"
SÃO PAULO. O ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse ontem, em um seminário da TV Cultura sobre a liberdade de imprensa, que setores do Judiciário são "saudosistas" e atuam como se a Lei de Imprensa estivesse ainda em vigor, apesar de o texto ter sido derrubado pelo STF.
- O Poder Judiciário está se comportando de forma saudosista. Não como um todo. Há nichos que parecem laborar no passado, quando a lei 5.204 estava em vigor, a mal-afamada Lei de Imprensa. A Lei de Imprensa, autoritária, consagradora de um projeto de poder e inimiga da liberdade de imprensa. Ela foi sepultada de ponta a ponta, não sobrou nada, pedra sobre pedra. E uma parte do Judiciário parece não entender isso - disse Ayres Britto, ao ser questionado sobre decisões judiciais que determinam censura prévia na imprensa.
Ayres Britto deixou claro ser contrário a qualquer tipo de regulamentação do exercício da liberdade de imprensa, que considera ter na Constituição sua "lei orgânica". Segundo ele, não há impedimento, porém, para que novas leis sejam criadas para tratar de procedimentos em caso de excessos ou abusos.
- A liberdade de imprensa não conhece meio termo. Ou é total ou não é liberdade de imprensa, é um arremedo. A grande lei é a Constituição. É a lei orgânica e somente ela, solitariamente posta. Nenhuma outra lei pode ter a pretensão de conformar o regime jurídico da liberdade de imprensa - disse o ministro. - Não pode haver lei dispondo sobre o tamanho, a extensão, a substância, o conteúdo e a duração ou temporalidade da liberdade de imprensa.
Segundo ele, a Constituição já prevê os casos de abuso e excessos - para os quais há previsão de direito de resposta, indenização e ação penal. Dessa forma, ainda segundo o ministro, apenas leis que tratem dessas consequências teriam espaço, sem afetar "a priori" a prática jornalística:
- Os dispositivos constitucionais são o bastante para orientar decisões judiciais. Nada impede que haja lei nos plano das consequências.
FHC: "O monopólio que mais preocupa é o estatal"
No mesmo seminário, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que a desconfiança de que a liberdade de imprensa está ameaçada foi suscitada pela forma como o governo Lula pautou a discussão sobre a regulamentação da mídia e pela percepção de ingerência política em assuntos de Estado, a exemplo do que ocorre em agências reguladoras de outros setores.
O tucano fez apelo para que a participação do governo por meio da publicidade institucional e de estatais seja regulamentada, para impedir o que chamou de "monopólio público".
- O monopólio que mais preocupa é o estatal, porque o poder do Estado cresceu muito. O Estado tem a força reguladora, tem a capacidade de homogeneizar a informação e tem a força financeira - afirmou.
FH disse que considera "um tanto pretensiosa" a proposta feita pelo ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, de "refundar" o Ministério das Comunicações, para que a pasta seja uma formuladora de políticas públicas.
- A origem (da discussão) é suspeita. Não por má intenção, mas pelo local, porque parte de um gabinete ao lado do presidente. Precisaria ter vindo do Ministério das Comunicações. Ouvi declarações de Franklin que me assustaram. Se (o debate sobre a regulação do setor) for feito de qualquer maneira, não é democrático. Aí começo a ter medo. Tem boi na linha. Por que fazer impositivamente? A discussão precisa ser ampla.