Título: A proposta de reforma política
Autor: Coimbra, Marcos
Fonte: Correio Braziliense, 15/07/2009, Política, p. 6

O PL nº 5498/09 é apenas a mais recente encarnação do modelo de tutela que está presente na nossa legislação eleitoral. Ele subestima o eleitor e lhe subtrai o direito de pensar com sua própria cabeça

Quem ainda tinha esperanças de que a atual legislatura deixasse uma contribuição importante para o processo de reforma política se decepcionou. O Projeto de Lei n° 5498/09, aprovado pela Câmara semana passada, é, na melhor hipótese, apenas um tímido avanço.

Considerando que o Congresso deve ao país mudanças efetivas na legislação político-partidária há, pelo menos, 13 anos, o projeto é ainda mais frustrante. Desde a promulgação da Lei nº 9.096, de 1995, sobre a organização partidária, e da Lei nº 9.504, de 1997, que fixou regras sobre as eleições, falta uma legislação mais abrangente sobre a matéria. De lá para cá, ambas foram sendo sucessivamente remendadas, com alterações maiores ou menores. Nenhuma, no entanto, ampla o bastante para poder ser considerada uma mudança significativa.

Enquanto isso, o Brasil mudou. O mais óbvio é que adquirimos uma experiência muito maior com a democracia. As eleições viraram rotina, os cidadãos passaram a conviver mais naturalmente com o processo político, a sociedade como um todo se habituou ao dia a dia da normalidade institucional. Mudamos também no que se refere às características do eleitorado: aumentou a proporção de eleitores mais experientes (seja porque cresceu o peso dos segmentos mais idosos, seja porque votamos mais vezes), subiu a escolaridade média, e, em função disso, se ampliou o consumo de informações políticas.

Outras instituições mudaram. O Ministério Público consolidou seu papel. A imprensa se diversificou e desenvolveu capacidade investigativa, apoiada em crescente profissionalismo e podendo se utilizar de informações melhores e mais difundidas. O número de veículos especializados e o espaço dedicado ao tema subiram.

Dentre todas as transformações, talvez a mais espetacular tenha acontecido com a internet. Hoje, quase 40% dos eleitores acessam a rede, em casa ou em outros locais, sendo que, entre jovens, a proporção chega perto de 70%. Em 1995, talvez não tivéssemos mais que 1,5 milhão de usuários. A cada eleição, a importância da internet aumenta. Não há nenhum fato político que não seja imediatamente objeto de atenção nos sites voltados para a cobertura do assunto.

Enquanto isso, nossos deputados produzem um projeto de lei que nasce cheirando a mofo. Depois de mais de uma década aguardando algo novo, sintonizado com o que somos, ficamos com o velho.

A desculpa é que só isso foi possível. Ou seja, o dissenso na Câmara sobre o que fazer era tão grande que apenas se conseguiu chegar a um acordo limitado. É como dizer que alguma coisa é melhor que nada.

Nem sempre. Em alguns aspectos secundários, a proposta aprimora a legislação atual, corrigindo absurdos. É o caso da liberação de ¿encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado¿ para ¿tratar da organização dos processos eleitorais, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições¿. Para espanto do cidadão comum, se aprovada a proposta, os candidatos passam a poder participar desses eventos, sem incorrer no risco de ser acusados de fazer ¿propaganda eleitoral antecipada¿. Como se todos não ignorassem por completo as restrições atuais.

Mas, nas questões importantes e no aspecto mais aguardado, sobre a internet nas campanhas, anda-se para trás. Ao invés da prometida revolução, a proposta é o oposto.

Nela, a internet é submetida aos mesmos controles que existem sobre os meios de comunicação. Paradoxalmente, era melhor como estava, pois, na falta de regras mais claras, tínhamos uma liberdade maior. Quando caiu a canhestra tentativa de amarrar a campanha de 2008 nos sites ¿.can¿, criou-se um vazio jurídico, que permitiu que a internet assumisse papel relevante em todas e decisivo em algumas (vide Rio de Janeiro e Belo Horizonte) das eleições que fizemos.

O PL nº 5498/09 é apenas a mais recente encarnação do modelo de tutela que está presente na nossa legislação eleitoral. Ele subestima o eleitor e lhe subtrai o direito de pensar com sua própria cabeça. Faz tempo demais que nossos legisladores se sentem superiores a todo mundo, convencidos de que lhes cabe um papel de proteger os eleitores.

Enganam-se. Como tutores, ninguém precisa deles.