Título: Geladeira, fogão, TV e computador nos lares com risco de faltar comida
Autor: Almeida, Cássia; Martin, Isabela
Fonte: O Globo, 27/11/2010, Economia, p. 38

INSEGURANÇA ALIMENTAR: No Nordeste, melhora foi maior que no resto do país

Acesso mais fácil a crédito e melhoria da renda explicam fenômeno

RIO e FORTALEZA. Fogão, geladeira, máquina de lavar, DVD e computador. Mesmo com dificuldade para pôr comida na mesa, a população brasileira na faixa de insegurança alimentar grave conseguiu avançar na conquista de bens duráveis e acesso a serviços, de acordo com o suplemento especial da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada ontem pelo IBGE. Crédito mais farto e facilitado, aumento da renda e do emprego explicam esse fenômeno para os mais pobres, segundo a coordenadora de Trabalho e Rendimento do IBGE, Marcia Quintslr:

- Houve ganho real de renda. E a ocupação está se refletindo nesse resultado.

A presença de máquina de lavar nesses lares onde o fantasma da fome ainda persiste praticamente dobrou: passou de 6,5% em 2004 para 11,9% em 2009. A geladeira, bem prioritário para a qualidade de vida da população, passou a estar em 75,7% dos domicílios com insegurança alimentar grave. Cinco anos antes, estava em 61,3%. Com o fogão, o mesmo fenômeno: subiu de 89,9% para 93,7%. Houve famílias que até conseguiram ter um computador. Em 2004, somente 36 mil famílias tinham um computador em casa. Em 2009, esse número subiu para 174 mil lares.

- A valorização do salário mínimo irradia muito para essa camada da população, que consegue destinar parte da renda para esses bens - afirma Francisco Menezes, diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).

Nordeste teve a melhor melhora entre as regiões

A televisão também invadiu os lares dos mais pobres. São 86,7% dos domicílios com o aparelho, contra 73,1% em 2004. Às vezes falta comida nas panelas da casa de Meriane Cristovão Dias, mas seus cinco filhos têm diversão garantida na televisão de segunda mão comprada há menos de um ano. A TV fica ao lado da geladeira, um dos eletrodomésticos adquiridos nos últimos cinco anos pela dona de casa. Meriane tem um fogão também pago em parcelas com ajuda do Bolsa Família, mas nem sempre tem dinheiro para o gás.

Apesar dos eletrodomésticos, na geladeira, além da água, há pouco o que conservar. O salário mínimo que o marido ganha como jardineiro não dá para matar a fome de todos. Com os R$134 do Bolsa Família, paga a conta na mercearia:

- O Bolsa Família é praticamente só para entregar na mercearia.

No dia em que falta comida, depende da ajuda de uma irmã ou da cunhada. Na última quinta-feira, às 11h30m da manhã, nem ela nem os cinco filhos tinham comido. A única que escapou do jejum forçado foi a caçula de 1 ano, que ainda mama.

No Nordeste, há menos famílias na mesma situação da de Meriane. Apesar de ainda exibir o pior indicador, a região teve a maior melhora. A proporção de lares nordestinos com dificuldade para conseguir alimentação suficiente caiu de 13,2% para 9,3%, na maior redução entre as grandes regiões.