Título: América Latina revirada pelos EUA
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Fonte: O Globo, 30/11/2010, O Mundo, p. 40

Paraguai pede explicações sobre envio de dados de candidatos à Presidência

BUENOS AIRES. Os 251.287 telegramas diplomáticos dos Estados Unidos revelados pelo site WikiLeaks não pouparam os governos latino-americanos. Os documentos mostram, por exemplo, que a Casa Branca solicitou informações à embaixada americana em Buenos Aires sobre a "saúde mental" da presidente argentina, que nos últimos anos enfrentou intensos rumores sobre supostos transtornos de bipolaridade. O governo dos EUA também investigou denúncias sobre atividades dos grupos terroristas al-Qaeda, Hezbollah e Hamas em território paraguaio, casos de corrupção e lavagem de dinheiro e até dados biométricos, fotografias e DNA dos candidatos que disputaram a Presidência do país em 2008.

Ontem, o Palácio López (sede do Executivo paraguaio) convocou a embaixadora americana em Assunção, Liliana Ayalde, para cobrar explicações. Após reunir-se com o ministro das Relações Exteriores do país, Héctor Lacognata, a embaixadora disse condenar esse tipo de ações, "que podem prejudicar as relações entre países e pessoas".

O material comprovou a preocupação do governo americano quanto à família Kirchner. Desde que Cristina assumiu a Presidência, em dezembro de 2007, veículos locais, entre eles a revista "Notícias", publicaram reportagens sobre um suposto transtorno de bipolaridade da presidente - o que teria levado os EUA a pedirem informações sobre a saúde de Cristina.

Entre 1.299 documentos sobre a Bolívia, encontram-se pedidos de informações do ex-presidente George W. Bush sobre possíveis jazidas de hidrocarbonetos no Chaco Boreal, território na fronteira entre a Bolívia, Argentina e Brasil. Outros telegramas provaram movimentos do governo americano durante o golpe de Estado contra o governo de Manuel Zelaya em Honduras, e manobras diplomáticas para repatriar presos de Guantánamo, em Cuba.

Para Juan Tokatlián, professor de Relações Internacionais da Universidade Di Tella, a filtração é grave e terá impacto mundial, mas dificilmente mudará as relações com os EUA.

- O nível de desconfiança vai aumentar entre os países da região, que deverão atuar com mais realismo frente a Washington - avalia Tokatlián. - Os telegramas revelam um estado de obsessão e pavor que até agora não eram tão evidentes.

Ignácio Lavaqui, professor da Universidade Católica Argentina (UCA), adverte para o clima criado de mal estar entre os governos latino-americanos:

- O que surgiu, todos imaginávamos que havia, mas uma coisa é imaginar, outra é saber.

Em nota oficial, a embaixada americana em Buenos Aires tentou minimizar o episódio.

"Muitas vezes este tipo de telegramas contém expressões preliminares e incompletas relacionadas a questões de política externa. Elas não devem ter um peso próprio, nem são representativas da política dos EUA", diz o texto.