Título: Chance única
Autor: Farias, Lindberg
Fonte: O Globo, 01/12/2010, Opinião, p. 7

Fincar uma bandeira no topo de um dos morros dominados pelo tráfico não é novidade no Rio de Janeiro. O Rio já assistiu a muitos enfrentamentos contra o tráfico. Também não é a primeira vez que o Exército participa de operações no Rio de Janeiro. Mas desta vez por que é diferente? Por que essa esperança tomou conta do povo do Rio? Então eu respondo: justamente porque há esperança, união política e popular e, principalmente, estratégia.

A diferença central é que, desta vez, há uma estratégia correta legitimada pelo povo: as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Parece simples, mas o fato é que antes não existia clareza sobre o que fazer. Agora, há uma política que não trata apenas de enfrentamento, mas de retomada de territórios que vinham sendo dominados por narcotraficantes. De pouco adiantavam aquelas incursões policiais sem objetivos estratégicos. A polícia subia morro, inocentes eram atingidos. Os bandidos que morriam em combate eram imediatamente substituídos, pois havia uma imensa mão de obra de reserva. Surgiam novos nomes de traficantes. Nada mudava.

Na verdade, quando o Estado ordenava o enfrentamento e a polícia avançava, as favelas eram tratadas como "territórios inimigos" e não como áreas que precisam ser retomadas e reestruturadas socialmente. Agora, não! A polícia entra para ficar. A ocupação territorial é o centro de toda política. Isso muda tudo. As UPPs, além de apontarem para inclusão social e para a conquista da cidadania por essa população marginalizada pelo Estado, mostram que há um caminho possível para pacificar todo o Rio de Janeiro.

Eu acredito que temos uma chance histórica e única. Não temos o direito de desperdiçá-la. São muitos os fatores que estão a favor da paz. Além de termos uma política clara, uma estratégia correta, as UPPs, temos um apoio popular inédito e uma grande unidade política envolvendo os governos federal, estadual e municipais. Conquista de um governo que não aceitou interferências políticas na polícia, que não negociou com traficantes e milícias. Somado a isso tudo, temos um cenário econômico favorável. Tudo seria mais difícil se estivéssemos em tempos de recessão, com cortes de gastos pelo Estado e com taxas de desemprego aumentando.

Temos que estabelecer e assumir uma meta ambiciosa: acabar - digo acabar - com o domínio de territórios pelo poder paralelo de organizações criminosas. Temos que usar a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 em favor do Rio. Não que queiramos pacificar o Rio para esses eventos. Temos que pacificar para melhorar a vida de todos os cidadãos do Rio de Janeiro. Agora, a Copa e as Olimpíadas servem para estabelecermos metas e para pressionarmos a União a assumir um novo papel na segurança pública do Rio de Janeiro.

O que falta para pacificarmos todo o Rio de Janeiro até 2014? Falta efetivo policial para cobrir todas as áreas. E esse é o ponto que os críticos atacam nas UPPs. Alegam que não é possível levar a todas as comunidades. "O cobertor é curto", dizem. Ledo engano! O secretário José Mariano Beltrame tem um levantamento sobre os custos para a contratação de policiais suficientes para pacificar todo o Rio. Nesse aspecto a ajuda do governo federal será fundamental.

Proponho um plano de transição pelo qual o governo federal deverá assumir determinadas responsabilidades, inclusive financeiras, até 2016. Para o Estado do Rio é muito, mas para um país que será a quinta maior economia do mundo, não! A União tem que ajudar a custear a contratação do efetivo policial necessário, seja por aporte financeiro, ou pela disponibilização de homens da Força Nacional de Segurança. Falo de um plano de transição, porque, a partir da entrada dos recursos do pré-sal, o Estado do Rio poderá por si só arcar com estes custos. A questão da segurança no Rio é, mais do que nunca, tarefa nacional, porque vamos ter jogos da Copa de 2014 e sediar as Olimpíadas 2016; porque o Rio de Janeiro é o cartão de visitas do Brasil no exterior; mas, principalmente, porque é aqui que vivem brasileiros em áreas em que o Estado não exerce a sua soberania. Isso é inadmissível!

Agora, tudo está mais fácil. Sabemos como fazer e sabemos que é possível. Para pacificarmos todo o Rio só falta decisão política e financeira.

LINDBERG FARIAS foi prefeito de Nova Iguaçu e é senador eleito pelo PT do Rio.