Título: Jobim temia guinada armamentista de Chávez
Autor: Maltchik, Roberto; Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 01/12/2010, O Mundo, p. 39

SAIA-JUSTA NA DIPLOMACIA MUNDIAL

Ministro nega críticas a vice do Itamaraty citadas em papéis do WikiLeaks

Em mais um capítulo das revelações dos documentos da diplomacia americana vazados pelo site WikiLeaks, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, é citado como tendo admitido em 2008 em conversa com então embaixador americano em Brasília, Clifford Sobel, o risco de a Venezuela de Hugo Chávez "exportar instabilidade". O relato está registrado em documento produzido por Sobel e divulgado pelo WikiLeaks. Segundo o texto, Jobim acreditava que Chávez, cuja popularidade já demonstrava sinais de fraqueza, usava a "ameaça de guerra" para desviar a atenção de "problemas internos". O encontro ocorreu às vésperas de Jobim viajar a Washington para tratar da colaboração militar entre Brasil e Estados Unidos.

Segundo o informe de Sobel, Jobim afirmou que o Brasil defendia a criação de um Conselho de Defesa da América do Sul para impedir um possível isolamento militar do Palácio de Miraflores, que levasse Chávez a uma guinada armamentista, oferecendo "grande risco de espalhar instabilidade entre os países vizinhos".

"Ao mesmo tempo em que a sugestão tenha pouca praticidade, segue a tradicional política brasileira de tentar ser amigo de todo o mundo, ao tentar incorporar a ideia de Chávez de cooperação regional de defesa a uma suposta estratégia de contenção (da Venezuela)", afirma o relato encaminhado em 20 de fevereiro de 2008. O Ministério da Defesa não quis comentar o caso.

Um mês antes, em outro recado a Washington, o ex-embaixador revela o que seria uma clara inclinação antiamericana do Ministério de Relações Exteriores. Mais uma vez, Jobim seria o protagonista de outro relato picante, no qual teria observado que o então secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, atual ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, "odeia os EUA e trabalha para criar problemas na relação".

Em visita oficial à Polônia, Jobim negou por meio de nota que tenha feito tal afirmação. O ministro telefonou ontem ao colega para negar as afirmações atribuídas a ele. Disse ainda que referiu-se a Guimarães como "um nacionalista, um homem que ama profundamente o Brasil". "Se o embaixador disse que Samuel não gosta dos EUA, isso é interpretação do embaixador, eu não disse isso. Samuel é meu amigo", afirmou.

Por meio da assessoria, Guimarães limitou-se a dizer que "ama o Brasil e não odeia nenhum país" e que defende o interesse nacional de sua perspectiva e com os seus argumentos. Já o chanceler Celso Amorim não quis abordar as supostas declarações de Jobim por "não estar envolvido pessoalmente", mas fez questão de contestar um antiamericanismo no Itamaraty.

- Quem conduzia a política do Itamaraty, com todo o respeito ao Samuel, era eu, sob a orientação do presidente Lula. E assim foi - enfatizou Amorim, em Washington para receber homenagem como um dos "100 Top Pensadores Globais", eleitos pela revista "Foreign Policy".

O chanceler também refutou as informações contidas nos documentos indicando que o Brasil considerava o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, como um elemento "exportador de instabilidade" e que isolá-lo seria perigoso:

- O presidente Chávez é nosso amigo. Ele foi democraticamente eleito, temos uma relação intensa de cooperação. A questão não é ideológica, queremos fortalecer a América do Sul. Mas a percepção que eles (os americanos) têm é outra. Muita gente tem percepção formada na Guerra Fria e continua usando esses mesmos paradigmas, e nós vivemos num mundo novo.

Presidente Lula minimiza conteúdo vazado

Entretanto, as referências nada amistosas ao Itamaraty não se restringem a Guimarães. Em outro relato de Sobel a Washington, desta vez em 12 de março de 2008, o ex-embaixador diz que a diplomacia brasileira atua de forma a garantir que as relações entre Brasil e EUA sejam de "cooperação amigável, mas não de forte amizade".

Em Estreito (MA), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva minimizou a importância das informações vazadas e respaldou Jobim, que tem assento garantido no governo Dilma Rousseff.

- Por que eu tenho de acreditar num americano que não é mais embaixador aqui no Brasil? Tenho certeza do comportamento do Jobim, tenho certeza do comportamento do Samuel, tenho certeza de que os dois são amigos. Tenho certeza que um não falaria mal do outro. Se fossem importantes (os documentos), não teriam sido vazados - disse Lula.

Em 8 de março de 2008, Sobel resume os escândalos de corrupção, que abalaram o Palácio do Planalto. "O governo Lula tem sido acossado por uma grave crise política na medida em que escândalos conexos de tráfico de influência e compra de votos atormentaram elementos do PT". Sobel, no entanto, ressalva que a popularidade do presidente não foi afetada "mesmo após muitos de seus mais próximos colaboradores terem sido apanhados em práticas corruptas". E termina elogiando Jobim, ao mesmo tempo em que dá uma alfinetada na elite política brasileira: "Ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, ele mantém uma forte reputação de integridade que é rara entre a liderança do Brasil".