Título: Alemão terá batalhões de campanha
Autor: Werneck, Antônio
Fonte: O Globo, 02/12/2010, Rio, p. 22

As três unidades da PM farão buscas por bandidos, drogas e armas na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão

Dos quatro anos em que está no cargo de secretário de Segurança, os três dias - de quinta para domingo - entre a invasão da Vila Cruzeiro e a ocupação do Complexo do Alemão foram os mais difíceis para José Mariano Beltrame. Como um maestro, ele teve que reger uma orquestra que não podia sair do tom: foram 2.700 homens sob a sua batuta. Seu gabinete se transformou no QG das operações. Para finalizar a sinfonia, até segunda-feira, três batalhões de campanha da PM vão ser instalados nos complexos da Penha e do Alemão. Segundo o secretário, os PMs vão preparar o terreno para que as tropas do Ministério da Defesa se instalem nos complexos. Beltrame prevê: serão mais de 40 dias de buscas nas comunidades. "Aconteça o que acontecer, a polícia não vai sair de lá", afirmou.

Vera Araújo

O que farão os batalhões de campanha da PM?

BELTRAME: Eles vão fazer varredura (buscas) o tempo que for necessário. Aquilo lá é muito grande. É serviço para mais de 40 dias. Depois que tivermos segurança, fica só o Exército. Ainda tem muita coisa lá: armas, drogas e bandidos.

Por que a operação começou pela Vila Cruzeiro?

BELTRAME: Efetivamente, a Vila Cruzeiro, mais do que o Alemão, estava numa situação crítica.

Como foi o planejamento das operações?

BELTRAME: Fizemos um planejamento para as UPPs e tivemos que puxar para a frente (as que serão instaladas nos complexos) em relação às demais. A ideia era fazer um cerco e direcionar os policiais para 53 pontos mapeados nos dois complexos. A gente tinha o efetivo, mas seria necessário deslocar policiais de outras unidades, tirar alguns do Leblon, outros de Copacabana... Uma coisa é tomar a Vila Cruzeiro sem problema algum na cidade. Eu poderia pegar todos os blindados que tinha, mas, naquela situação, com os ataques, isso não era possível.

O que foi mais importante para retomar os complexos?

BELTRAME: O apoio do Ministério da Defesa foi crucial, por possibilitar o auxílio das tropas do Exército e da Marinha. O auxílio da Polícia Federal também foi importante, sem contar o ânimo dos nossos policiais.

O senhor viajou para Brasília na segunda-feira (dia 22 de novembro), logo que começaram os ataques. O objetivo era pedir apoio das Forças Armadas para a operação?

BELTRAME: Não. Fui cobrar coisas que não tinham vindo. No início do ano, eu havia pedido ao governo federal mais blindados, duas lanchas... Mas estava chegando o fim do ano e nada. Agora está tudo na mão. Não fui pedir apoio das Forças Armadas.

O que deflagrou a invasão?

BELTRAME: No final da tarde, no dia das imagens dos bandidos se exibindo com armas na Vila Cruzeiro, acionamos a Marinha e eles nos ajudaram prontamente. Começou, assim, o planejamento. Houve o fator surpresa.

Como mobilizar tantos homens com tamanha rapidez?

BELTRAME: Chamei o coronel Marcus Jardim (do 1º Comando de Policiamento da Capital), o Allan (Turnowski, chefe de Polícia Civil) e pedi a eles que dividissem seus homens, para tomar pontos estratégicos. O Bope já tinha subido, mas o cerco por baixo precisava do apoio dos militares. Nesses três dias de preparo da operação, era imprescindível fazer o cerco. O Exército estava vindo.

A Marinha foi a primeira a auxiliar a polícia estadual. Por que a secretaria conseguiu sensibilizá-la primeiro para essa guerra?

BELTRAME: A Marinha já nos ajudava antes. Ela tem uma oficina de carros blindados e sempre arrumou (consertou) os nossos caveirões com a maior velocidade. Isso fez toda a diferença na operação. Já tínhamos contato com a Marinha, por isso conseguimos acioná-la tão rapidamente. Quando você pede equipamento, é mais rápido. Quando o assunto é tropa, homens, a autorização do presidente da República e do Ministério da Defesa se faz necessária. Complica mais um pouco.

E o apoio da Polícia Federal?

BELTRAME: Ela é a minha casa. O Ângelo (Gioia, superintendente da Polícia Federal no Rio) liberou 300 homens e carros. A nossa sorte é que, um dia antes, os agentes tinham feito uma operação. O Ângelo disse: "Eles estão aqui à sua disposição até sexta-feira, Mariano". Montamos um gabinete de crise e ele foi o nosso parceiro nas decisões.

Alguma coisa lhe chamou atenção na operação conjunta com as Forças Armadas?

BELTRAME: O pessoal do Exército e da Marinha era do Rio. Praticamente todos os integrantes tinham uma história com o Alemão. O falso poder dos bandidos de lá estava no imaginário deles e de todo mundo. Agora, a casa do Alemão caiu.

Onde funcionou o quartel-general para solucionar a crise e frear os ataques?

BELTRAME: Foi no meu gabinete. Fazíamos tudo aqui.

O governador Sérgio Cabral participou do planejamento?

BELTRAME: O governador é muito carioca. A gente via um dos pontos de ataque, ele lembrava que já havia estado lá, seja quando criança ou durante a campanha. Ele era um dos mais animados, quebrava o clima pesado.

Qual a maior dificuldade?

BELTRAME: As pessoas que trabalham para o tráfico e não têm antecedentes criminais. Elas podem passar caminhando que você não vai poder prendê-las. Temos que cumprir a lei. O cara só é bandido se for preso em flagrante ou procurado pela Justiça.

Os grandes chefes do tráfico, como FB e Pezão, saíram do morro?

BELTRAME: Eles não estão mais lá. Fugiram.

O senhor acha que eles fugiram pela rede de águas pluviais da comunidade?

BELTRAME: Acredito que muitos devem ter fugido dessa forma.

O que o senhor acha das denúncias de que policiais saquearam casas revistadas?

BELTRAME: Temos que tomar cuidado. Alguns casos são verídicos. Por isso, pedimos às pessoas que procurassem a ouvidoria ou a Defensoria Pública.

Qual o próximo passo para a pacificação ficar completa?

BELTRAME: Ainda temos muito o que fazer lá. Temos informações de que há famílias reféns. Se elas abrirem a boca, correm risco de vida. O nosso trabalho não é fácil. Sei que, de madrugada, eles (os bandidos) saem de seus esconderijos para circular na comunidade. O controle total nós só teremos quando vasculharmos tudo. Por isso a necessidade das patrulhas dos policiais militares das unidades de campanha. Depois do trabalho feito, já acertamos com o prefeito para ver a rede de esgoto, retirar as barreiras que os bandidos colocaram. Os dois córregos que passam pelo complexo serão limpos.

O que acontecerá nas outras comunidades ainda sob domínio do tráfico? Muitos bandidos correram para lá.

BELTRAME: Falam de explosivos e de armamento de guerra em outros morros. Todo esse poder acabou. Se houver isso em outras comunidades, a gente se programa e vai. A casa caiu verdadeiramente.

Como foi a recepção dos moradores dos complexos à operação?

BELTRAME: Muito moradores pediram que, pelo amor de Deus, a gente não saia mais do morro. Ainda há alguns bandidos por lá. Eu acho que muitos deles não têm para onde ir.

A vitória foi da polícia?

BELTRAME: O grande ganho foi da sociedade. Sempre disse que a polícia do Rio vai a qualquer lugar e a qualquer hora. Agora provamos que o estado é que manda no território.