Título: Deputados têm pressa
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 15/07/2009, Política, p. 12

CRE quer votar matéria de acordo com Vaticano hoje, antes que tema vá a plenário

Para a professora Roseli Fischmann, o acordo é inconstitucional e também vai beneficiar a Igreja Católica

Depois da segunda audiência pública sobre o acordo (1)assinado entre Brasil e Vaticano, que durou cerca de quatro horas ontem, a Comissão de Relações Exteriores (CRE) da Câmara dos Deputados marcou a votação da matéria para a manhã de hoje. O presidente do colegiado, deputado Severiano Alves (PDT-BA), decidiu apressar os trabalhos porque recebeu uma informação da presidência da Casa de que o texto entrará na pauta do plenário no início de agosto, logo após o recesso parlamentar. Como tramita em regime de urgência, o acordo pode ser levado à apreciação do plenário antes mesmo da chancela na comissão. O relator da matéria, deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), cujo parecer é pela aprovação, prevê uma resistência da bancada evangélica.

¿Acho que já discutimos muito, já tiramos nossas dúvidas. Acredito que a comissão votará favorável ao acordo, apesar de alguns parlamentares evangélicos já terem se manifestado contrários¿, afirma Andrada. Segundo o deputado, a matéria causa polêmica por desconhecimento. ¿No Brasil, assim como na América do Sul, as pessoas não conhecem esse tipo de acordo, também chamado de concordata. Na Europa, há diversos países que firmaram tratados semelhantes com o Vaticano¿, explica o parlamentar, ressaltando que o texto não traz eventuais vantagens à religião católica no Brasil. ¿O acordo, em si, é uma repetição do nosso texto constitucional¿, destaca.

Para a doutora em filosofia e professora da Universidade de São Paulo Roseli Fischmann, entretanto, o acordo não só traz vantagens para a Igreja Católica como é inconstitucional do ponto de vista jurídico. ¿Fere os artigos 18 e 19 da Constituição, que veda à União, estados e municípios fazer alianças com representantes de religiões. Ainda que o Vaticano tenha representação internacional como um Estado, seu chefe representa uma igreja, uma religião¿, destaca a professora, que participou da audiência pública na Comissão de Relações Exteriores ontem. Em defesa do acordo, a embaixadora Maria Edileuza Reis, diretora do Departamento da Europa no Ministério das Relações Exteriores, explicou aos deputados que o acordo não viola nenhuma lei do país.

As principais polêmicas do acordo entre Brasil e Vaticano referem-se à questão da imunidade tributária e do ensino religioso. Em relação ao primeiro item, o texto diz que as pessoas jurídicas eclesiásticas (arquidioceses, dioceses, prelazias, entre outras), bem como suas rendas, patrimônios e serviços, serão isentas de impostos. E quando exercerem atividade social e educacional, poderão ser equiparadas a entidades filantrópicas. A segunda controvérsia diz respeito à expressão ¿católico e de outras confissões religiosas¿ para conceituar o ensino religioso que deve ser ofertado nas escolas públicas brasileiras obrigatoriamente, embora a matrícula do aluno seja opcional.

Pressões

O relator da matéria na Comissão de Relações Exteriores, deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), contabiliza mais de 100 e-mails enviados por seguidores religiosos, professores e entidades da sociedade civil. ¿Uns aplaudindo o relatório, outros vaiando¿, comenta o parlamentar. Ele diz que foi procurado por representantes da Igreja Católica e de outras confissões para discutir o assunto. Apesar das pressões, o relator conta que produziu seu voto em uma semana. ¿Sou professor de direito, agora afastado das salas de aula. Então, não tive muitas dúvidas¿, destaca Andrada.

1 - ACORDO Em novembro do ano passado, o Brasil assinou um acordo com o Vaticano, que é considerado, do ponto de vista jurídico, um Estado. O documento versa sobre itens que vão desde a imunidade fiscal ao ensino religioso nas escolas públicas. A matéria, controversa, ainda precisa passar pelo crivo da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para depois ser ratificada pelo presidente da República.

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