Título: Dilma defende corte de gastos e reaproximação com os EUA
Autor: Eichenberg, Fernando
Fonte: O Globo, 06/12/2010, O País, p. 3

Em entrevista ao "Washington Post", ela discorda de posição do Brasil sobre Irã

Apresidente eleita, Dilma Rousseff, manifestou especial apreço pelo líder americano Barack Obama e defendeu uma política de reaproximação entre os dois países. Em entrevista ao jornal americano "The Washington Post", publicada neste fim de semana, ela também afirmou a necessidade de uma redução da dívida pública brasileira com um corte de despesas que permita manter o crescimento econômico e evitar o aumento da inflação.

As relações entre Brasil e Estados Unidos foram recentemente esfriadas, em grande parte, por causa de profundas discordâncias na abordagem sobre o controle do programa nuclear iraniano - Brasil e Turquia acertaram um acordo à parte com o Irã, enquanto Washington insistiu na aprovação de sanções no Conselho de Segurança da ONU. Dilma pretende, pelo menos no discurso, reaquecer as ligações entre Washington e Brasília.

- Considero a relação com os EUA muito importante para o Brasil. Vou tentar construir laços próximos com os EUA. Eu tenho uma grande admiração pela eleição do presidente Obama. Acredito que os EUA, naquele momento, revelaram uma enorme capacidade de mostrar que são uma grande nação, e isso surpreendeu o mundo. Talvez seja muito difícil eleger um presidente negro nos EUA, como era difícil eleger uma mulher presidente do Brasil - disse Dilma ao "Washington Post".

Segundo ela, Brasil e EUA possuem "grande potencial" para atuarem em conjunto na África, nas áreas de desenvolvimento de tecnologia em agricultura, produção de biocombustíveis e ajuda humanitária. No encontro com a jornalista Lally Weymouth, na manhã da última quinta-feira, em Brasília, Dilma procurou marcar algumas diferenças com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Garantiu, por exemplo, que, se já tivesse tomado posse, o Brasil não teria se abstido na votação da resolução das Nações Unidas de condenação à violação de direitos humanos no Irã.

- Eu não endosso o apedrejamento. Não concordo com as práticas que têm características medievais para as mulheres. Não há nuances, não vou fazer qualquer concessão a esse respeito - disse, numa referência à condenação à morte por apedrejamento da iraniana Sakineh Ashtiani, acusada de adultério e de cumplicidade no assassinato do marido. - Minha posição não mudará quando assumir a Presidência. Não concordo com a maneira como o Brasil votou. Não é a minha posição.

Desvalorização do dólar é criticada

Numa tentativa de obter um posicionamento mais amplo da presidente eleita em relação ao apoio do Brasil a um país - o Irã - que "permite o apedrejamento e encarcera jornalistas", Lally perguntou se ela, como ex-presa política, não sentia simpatia por indivíduos em dificuldades e sofrimentos similares. Dilma declarou ter um "compromisso histórico" com todos os demais prisioneiros políticos, mas preferiu responder à questão de uma forma geral sobre a necessidade de se alcançar a paz no Oriente Médio.

- O que vemos no Oriente Médio é a falência de uma política, de uma política de guerra. Estamos falando do Afeganistão e do desastre que foi a invasão do Iraque. Nós não conseguimos construir a paz nem resolver os problemas do Iraque. Hoje, o Iraque está em guerra civil. A cada dia morrem soldados dos dois lados. Tentar construir a paz e não entrar em guerra é o melhor caminho - disse ao jornal.

Ao tratar da crise econômica que afeta os países desenvolvidos, Dilma lançou um recado direto a Washington:

- Ninguém ficará confortável se os EUA tiverem elevados índices de desemprego. A recuperação dos EUA é importante para o Brasil porque os EUA possuem um extraordinário mercado de consumo. Hoje, o maior superavit de comércio dos EUA é com o Brasil - observou.

Ela aproveitou para criticar a atual desvalorização do dólar americano, o que é prejudicial ao comércio mundial e ao Brasil.

- Para nós, uma política de dólar fraco não é compatível com o papel que os EUA desempenham devido ao fato de que a moeda dos EUA serve como uma reserva internacional. E uma política de desvalorização sistemática do dólar pode desencadear reações de protecionismo, o que nunca é uma boa política a ser seguida - alertou.

Na economia, Dilma sinalizou a continuidade ao "bem-sucedido governo Lula":

- Conseguimos controlar a inflação, ter um regime flexível de taxa de câmbio e consolidação fiscal de modo que, hoje, estamos entre os países que possuem a proporção mais baixa da dívida em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Além disso, não temos um deficit significativo. Não quero me gabar, mas temos um deficit de 2,2%. Nos próximos quatro anos, pretendemos reduzir a razão entre dívida e PIB e garantir a estabilidade inflacionária - prometeu.

Segundo ela, não há como cortar as taxas de juros sem reduzir o deficit do governo:

- Somos muito cautelosos. Temos um objetivo em mente: que nossas taxas de juros sejam convergentes com os índices internacionais. Para chegar lá, uma das questões mais importantes é reduzir a dívida pública. Outra questão importante é melhorar a competitividade dos setores manufatureiro e agrícola. E também é muito importante que o Brasil racionalize seu sistema de impostos - resumiu.

Seu projeto econômico é o de "racionalizar os gastos" e, ao mesmo tempo, "aumentar o PIB".

- Não estamos em recessão aqui. Não temos de cortar gastos do governo. Nós vamos cortar despesas, mas continuar a crescer.

Na entrevista ao diário americano, Dilma garantiu que está totalmente curada do câncer, e sustentou que seu governo será diferente do governo do presidente Lula:

- Não vou repetir o governo dele, porque a situação do país hoje é muito melhor do que era em 2002. (...) Meus desafios serão outros. Terei de resolver questões como a qualidade dos serviços de saúde e encontrar soluções para a segurança pública.

Para melhorar a infraestrutura e os serviços públicos no país, ela prometeu usar recursos da exploração do pré-sal em educação, saúde, ciência e tecnologia. Se forem confirmadas suas declarações ao "Washington Post", Dilma Rousseff viajará aos EUA ainda em janeiro, logo após a posse, para um encontro com Barack Obama. No ano que vem, o titular da Casa Branca deverá desembarcar em Brasília, numa turnê oficial pela América do Sul.